terça-feira, 21 de junho de 2011

Para o boom não virar bolha

O Globo - Rio de Janeiro/RJ - PRIMEIRO CADERNO - 20/06/2011 - 03:06:21

 

MAURO SÉRGIO OLIVEIRA

 

A ideia corrente é que financiar imóvel no Brasil tem risco baixo. A rápida retomada da construção civil nos últimos dois anos mostra grande solidez, reforçando a crença num mercado imobiliário à prova de inadimplência. Isso está longe de ser uma verdade absoluta. Os financiamentos de longo prazo com prestações indexadas pelo Índice Geral de Preços ao Mercado (IGPM) podem ser o gatilho de estouro da bolha, ao se tornarem impagáveis, caso a inflação se acelere. Os preços dos imóveis podem cair, aumentando o risco de descasamento entre o custo do financiamento e o valor de mercado do imóvel.

 

O brasileiro tem como cultura não devolver o imóvel financiado, tradição gerada pela carência crônica de moradias, mas essa atitude pode mudar se o saldo devedor ficar muito maior que o valor de mercado dos imóveis. Isso não aconteceu ainda pela alta expressiva de preços dos últimos anos, provocada pela recuperação da economia e, no caso específico do Rio, também pela formidável agenda de eventos prevista. Mas já houve casos de empreendimentos com sérios problemas na relação preço/financiamento na Barra da Tijuca — como verificado na Vila do Pan.

 

O risco de inadimplência em cadeia é baixo, porque os preços subiram recentemente e ainda temos demanda reprimida. Entretanto, uma crise no mercado de trabalho, num cenário de recessão, pode levar à necessidade de revenda em um mercado menos receptivo, gerando queda de preços e agravamento da inadimplência.

 

O ambiente regulatório é outro fator que torna pouco provável a repetição da crise dos subprimes no Brasil. Nossa legislação é bem rígida, sendo muito mais difícil uma alavancagem como a ocorrida no mercado americano, onde os fundos foram financiados pelos bancos para comprar mais e mais subprimes. Aqui o Fundo não pode alavancar-se contraindo dívidas, e a maioria dos investidores trabalha com recursos próprios. A escassez de imóveis, por sua vez, ainda cria resistência a uma queda de preços, dando tempo para adaptação do mercado, em caso de instabilidade macroeconômica.

 

Em contrapartida, o aumento nos prazos de financiamento com pequenas parcelas de pagamento durante a obra, com juros altos, conjugado com os preços elevados dos imóveis, pode nos levar a cenários de imóveis impagáveis, precipitando uma crise de inadimplência. Um imóvel de R$100 mil financiado em 15 anos a 1% ao mês vai custar R$216 mil; em 30 anos, R$370 mil, fora correção monetária.

 

É comum ouvir que imóvel só tende a subir de preço. Isso foi verdade durante a inflação descontrolada e, por outras razões, na retomada do crescimento brasileiro em geral e do Rio em particular. Daqui por diante, a tendência é outra. A subida de preços e o crédito farto vão acelerar as construções e, consequentemente, a oferta de imóveis. É a lei do mercado: com o aumento da oferta, os preços terão que parar de crescer. Nessa hora, com os contratos regulados por índices de inflação ou taxas de juros em bases mais amplas, poderá haver um perigoso descasamento entre o valor real dos imóveis financiados e o saldo devedor, tornando até as retomadas insuficientes para cobrir os empréstimos. É aí que mora o perigo.

 

É possível e necessário, contudo, avançar mais no controle de riscos, apesar de estarmos avançados no que diz respeito às leis e demais dispositivos reguladores. Os limites do crédito imobiliário poderiam ter um maior controle, a exemplo do que é feito no mercado de financiamento de automóveis e no crédito pessoal. Afinal o imóvel é, quase sempre, a maior dívida da família, e a expansão desordenada do crédito imobiliário foi o gerador da crise dos subprimes, em que os maiores prejudicados foram os compradores.

 

MAURO SÉRGIO OLIVEIRA é economista.

 

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