quinta-feira, 9 de junho de 2011

Direcional lucra na baixa renda

Daniele D'Ambrosio

09.06.2011

 

Quando começou a trabalhar com o tio construtor, Ricardo Valadares Gontijo rodava a Fernão Dias em busca de terrenos, de madrugada, dirigindo uma Brasília. Hoje, 37 anos depois, 30 dos quais na sua própria empresa, Gontijo roda o Brasil - principalmente as regiões Norte e Centro-Oeste, onde concentra sua atuação - confortavelmente a bordo de seu luxuoso avião de sete lugares. Dono da Direcional Engenharia, última das construtoras a abrir capital, Gontijo trabalha para vender ao mercado um modelo de negócios muito diferente das outras companhias abertas.

A Direcional é a única entre as construtoras listadas em bolsa que abraçou, de fato, o segmento de zero a três salários mínimos - a base do programa Minha Casa, Minha Vida. Tem aí um terço do negócio. Ganhar dinheiro com o BNH era muito mais difícil, mas a construção popular é meu mercado, diz.

A Direcional também foi a primeira empresa forasteira a se aventurar na construção civil em estados como Amazonas - só em Manaus tem 16 canteiros de obras - Pará e Roraima. Adotou a verticalização total das operações e, o principal diferencial, contrata praticamente 100% dos trabalhadores que atuam nas obras. Possui, hoje, 13 mil empregados diretos. Até pintor, atividade tradicionalmente terceirizada, a Direcional passou a contratar com carteira assinada.

Embora a estratégia exija um tempo adicional de explicação até para o investidor habituado ao setor residencial, o fato é que a companhia tem conseguido resultados acima da média vendendo imóveis populares. No ano passado, teve margem líquida de 23% para uma média setorial de 14%. No primeiro trimestre - quando houve queda generalizada dos ganhos do setor -, a margem líquida da companhia foi de 17%, contra 12% das abertas. Como as outras construtoras cresceram exponencialmente nos últimos anos. A Direcional saiu de vendas de R$ 127 milhões em 2007 (ano anterior à abertura de capital) para R$ 1 bilhão em 2010. Desde 2008, cresce a uma média de 50% ao ano. O lucro quase dobrou sobre 2009, para 180 milhões.

Com baixa liquidez - é a 13ª no ano de um grupo de 17 empresas -, os papéis não refletem os resultados. Ainda que o mau humor com o setor de construção seja geral, a Direcional acumula queda de 18,14% no ano (sexta maior queda), enquanto o índice do setor (Imob) cai 6,51%. Em 12 meses, os papéis da companhia acumulam alta de 5,37% e o Imob sobe 20,35%. O tempo vai nos diferenciar naturalmente.

Para ser viável e, sobretudo, lucrativo, o segmento de zero a três salários mínimos exige um controle extremamente rígido dos custos - de forma ainda mais acurada do que o restante do programa habitacional, que contempla famílias de seis a dez salários mínimos. O caminho da verticalização é quase obrigatório para quem quer ganhar dinheiro vendendo apartamentos que, na primeira fase do programa, valiam no máximo R$ 45 mil e agora devem chegar a R$ 52 mil. Todo o concreto consumido é fabricado no canteiro e as formas, usadas para fazer paredes, são próprias.

Para diluir custos, a Direcional também procura ter escala com obras grandes - em Manaus, a Direcional está erguendo maior obra de zero a três do Minha Casa, Minha Vida em um terreno de 700 milhões de m2, com três mil unidades em construção de um total de nove mil unidades em três fases.

Mas o que mais diferencia a companhia mineira - e a coloca sozinha no setor e até como alvo de polêmica - é a mão de obra própria. Com canteiros distantes e a necessidade de controlar os custos no centavo, a empresa decidiu que não contrataria empreiteiros, que, na verdade, ficam responsáveis pela contratação dos empregados - como faz boa parte do mercado.

Tenho que depender o mínimo possível do outro, diz Ricardinho, de 29 anos, filho de Gontijo - que trabalha com o pai desde 2006. Além de ter que controlar os centavos, a margem paga ao empreiteiro e qualquer atraso na obra interferem diretamente no ganho. Em um momento de alta demanda, o preço cobrado pelas empreiteiras - especialmente em cidades distantes - está aumentando muito. Tenho menos problemas que os meus concorrentes com atraso de obra e qualidade, completa o filho, que usa o único sobrenome que diferencia seu nome do de seu pai, Ribeiro. Ricardinho formou-se na Universidade Federal de Minas Gerais com nota 96,5, a mais alta da universidade. O recorde anterior? Sim, do pai, com média 94.

O engenheiro formado com louvor coloca no papel as vantagens do zero a três: a obra exige menos capital e a exposição de caixa é menor porque a CEF coloca o dinheiro na frente, o imposto cai de 6% sobre o valor da obra para 1% e os custos de comissão e marketing, que geralmente giram em torno de 7% da receita da obra, não existem, porque a venda é feita pela Caixa. Não tenho as desvantagens da incorporação, como gastos com venda, repasse e inadimplência, diz Ricardinho.

Mas é importante lembrar que cerca de 65% do negócio está nos mercados tradicionais (33% no Minha Casa, Minha Vida até dez salários mínimos e cerca de 33% em imóveis para a classe média). E, depender demais do governo tem, também, seu lado negativo. A companhia ficou seis meses sem contratar nada no zero a três, porque as contratações do programa terminaram em dezembro de 2010. Devem ser retomadas em julho. Conseguimos assinar dois contratos grandes (dois projetos com 4 mil unidades) no finalzinho do programa, justifica o filho.

Ricardo Gontijo começou a trabalhar com o tio na extinta Andrade Valadares em 1972, construindo casas populares. Em 1981, criou o próprio negócio. Comecei a empresa com US$ 200 mil, comprávamos mesas e cadeiras em leilão, relembra.

A empresa começou a se preparar para abrir capital em 2007, mas decidiu esperar um pouco mais para ganhar musculatura e o mercado fechou. Foi quando Ricardo procurou uma solução alternativa. Um fundo de private equity era uma solução intermediária, diz ele. Em 2008, o fundo Tarpon comprou 25% da companhia por R$ 250 milhões. Foi o passo mais importante da Direcional, afirma Gontijo. A Tarpon deu outra dimensão para a empresa. Pedro faria sócio da Tarpon, está no Conselho de Administração da empresa.

Em 2009, mais capitalizada, Direcional foi a única construtora a abrir capital. Levantou R$ 274 milhões e tanto a Tarpon, quanto a família compraram ações na oferta. Não foi falta de demanda, é porque acreditamos no negócio, diz. Em fevereiro deste ano, fizeram uma nova oferta e captaram R$ 230 milhões numa oferta primária e R$ 80 milhões em secundária (quando o dinheiro vai para o controlador). Atualmente, a Tarpon tem 15% da companhia e a família, 47,1%. Procurada, a Tarpon, não concedeu entrevista.

Ainda muito ativo no dia a dia do negócio, Gontijo considera-se um homem iluminado. Há 23 anos, vítima de hepatite B e cirrose, recebeu do médico a notícia que teria apenas 60 dias de vida. Foi para os Estados Unidos, entrou num grupo de cinco pessoas que testou um medicamento antes do transplante de fígado - e foi o único que sobreviveu. Chegou a pesar 30 quilos menos do que tem hoje. Fazer negócio é fácil, esse foi o maior desafio da minha vida, disse, um dos transplantados de fígado mais longevos do mundo.

 

 

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