Carolina Mandl | De São Paulo |
Valor Econômico - 28/12/2010 |
Os bancos sócios da Cibrasec abriram um processo de concorrência para encontrar um novo acionista para a securitizadora de recebíveis imobiliários, empresa que transforma os contratos de financiamento em títulos mobiliários vendidos a investidores. Entre as propostas avaliadas pelos principais donos da Cibrasec - Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco, Santander, Caixa e International Finance Corporation - estão operações de fusão com outras duas securitizadoras - a Brazilian Securitiese a RB Capital- e de venda parcial do capital para um novo sócio - o fundo de "private equity" Advent. Segundo o Valorapurou, a proposta que mais tem atraído os bancos é a fusão com a Brazilian Securities, líder do setor e cujos acionistas são o megainvestidor americano do setor imobiliário Sam Zell e o grupo Ourinvest. Essa solução criaria uma empresa que só neste ano teria estruturado cerca de R$ 4 bilhões em certificados de recebíveis imobiliários. De acordo com um executivo que acompanha de perto as negociações, os atuais 25 acionistas da Cibrasec ficariam com uma fatia entre 51% e 60% da nova empresa, enquanto a Brazilian Securities teria o restante. Porém, como hoje a Brazilian Securities tem disparado mais operações do que a Cibrasec, os bancos terão de fazer um aumento de capital para assumir o controle. Eventuais sócios que não quiserem colocar dinheiro na transação terão sua participação diluída. Neste ano, até setembro, a líder Brazilian Securities gerou uma receita líquida de R$ 77,5 milhões e um lucro de R$ 25,2 milhões. Já a Cibrasec movimentou cerca de R$ 300 milhões em recebíveis, com R$ 20,7 milhões de faturamento e R$ 4 milhões de lucro. Por trás dessa operação está o interesse dos bancos e de seus eventuais novos sócios de ganhar uma fatia preponderante de um mercado que começa a ganhar fôlego com a expansão do crédito imobiliário: a securitização de recebíveis imobiliários como fonte alternativa de recursos em relação à caderneta de poupança para dar fôlego aos financiamentos. A visão dos bancos é que a securtitização de carteiras de recebíveis imobiliários vai se transformar em uma importante fonte de financiamento para o setor. A previsão é de que daqui a dois anos os recursos da poupança não vão mais ser suficientes para atender a demanda por crédito de quem quer comprar uma casa. Para conseguir aumentar o número de contratos de crédito imobiliário, eles necessariamente terão que vender os financiamentos que hoje estão em seus balanços. Apesar da posição minoritária, a Brazilian Securities teria como sócios os bancos que, em breve, devem ser os agentes que mais vão vender suas carteiras de financiamento imobiliário. Essa estrutura acionária daria uma vantagem natural à nova companhia. Além disso, segundo fontes próximas às negociações, acordos de acionistas poderiam trazer mais conforto aos acionistas da Brazilian Securities. A associação resolve um grande problema da Cibrasec. Os bancos são donos da companhia há mais de dez anos, porém, nos últimos três anos ficaram praticamente impedidos de operar com a empresa, o que fez a receita da companhia despencar, apesar de a lucratividade até ter se elevado nesse período. O impasse começou em 2007, quando o Santander anunciou a compra do holandês ABN Amro, que era dono no Brasil da marca Real. Juntos ficaram com 13,63% das ações da Cibrasec. Depois, em setembro de 2008, o Banco do Brasil comprou o Banco do Estado de Santa Catarina (Besc), somando uma fatia de 12,1%. Em novembro de 2008, foi a vez de Itaú e Unibanco anunciarem a fusão, o que resultou em uma participação conjunta de 17,57%. Pelas regras do Banco Central, as instituições não podem operar com empresas nas quais possuam mais do que 10%. Por isso, desde março, a Cibrasec busca um meio de resolver esse impasse, tentando vender a participação excedente dos bancos de forma organizada. O Valorapurou que as propostas estão agora nas mesas dos bancos de investimento das instituições financeiras. Quando as primeiras fusões bancárias começaram a ocorrer, a ideia da Cibrasec era deixar de ser tão dependente das operações geradas por seus próprios sócios, partindo para a compra de carteiras de recebíveis das incorporadoras de imóveis. Para isso, em 2008, foi recrutado o executivo Fernando Brasileiro, ex-vice presidente do J.P. Morgan. Porém, diante das sucessivas fusões, os acionistas optaram por vender o capital excedente. Procurada, a Brazilian Securities informou por meio da assessoria de imprensa que não poderia comentar a informação porque seus executivos estavam em férias. A Cibrasec não retornou o pedido de entrevista. A Advent e os bancos sócios da securitizadora informaram que não comentariam. A RB Capital disse por meio de sua assessoria de imprensa que "não está em negociação com a Cibrasec". Primeira companhia securitizadora do Brasil, a Cibrasec foi fundada pelos bancos em 1998 em uma época em que a securitização de recebíveis imobiliários era algo inovador no Brasil. Até por isso, a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) entrou como sócia do negócio, com 0,0045% da empresa e carregando consigo outros 24 sócios. |
Desde 2007, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) aprovou pronunciamentos técnicos cujo objetivo é convergir o sistema contábil brasileiro ao padrão internacional, o International Financial Reporting Standards (IFRS), o que pode gerar problemas de adequação aos departamentos financeiros e contábeis das empresas do ramo imobiliário.
Em relação ao setor imobiliário, a principal questão refere-se ao tratamento contábil dado às receitas e despesas. Para isso, houve a classificação dos contratos em: (i) contrato de construção - aqueles negociados para a construção de um ativo único (ex. edifício) ou de diversos ativos relacionados (ex. planta industrial); (ii) contrato de prestação de serviços - aqueles em que a entidade não é obrigada a comprar ou fornecer os materiais de construção, sendo sua obrigação apenas a prestação dos serviços relacionados à construção; e (iii) contrato de venda de bens - aplicáveis aos contratos de venda decorrentes da incorporação de unidades imobiliárias.
Diante dessa classificação, é importante observar a diferença das atividades das construtoras e das incorporadoras. As primeiras necessariamente realizam a obra ao passo que as incorporadoras poderão realizar a construção do imóvel diretamente ou contratar terceiros - as construtoras - para fazê-lo. A incorporadora, por sua vez, deverá ser proprietária do terreno, promitente compradora, construtora ou corretora de imóveis (art. 31 da Lei nº 4.591, de 1964). A construtora poderá ser qualquer sociedade ou profissional qualificado.
Anteriormente, as sociedades brasileiras que atuavam no setor imobiliário obedeciam ao critério do percentual de conclusão da obra (Percentage of Conclusion - POC) na elaboração das demonstrações financeiras, sendo as receitas reconhecidas de acordo com o desenvolvimento do empreendimento imobiliário. Após os novos pronunciamentos, há sugestões no sentido de que a maior parte das receitas das incorporadoras deverá ser reconhecida apenas no momento da entrega da unidade imobiliária.
A receita deve ser baseada na evolução percentual de conclusão da obra
De acordo com estudo feito pelo Credit Suisse essa mudança proporcionaria uma baixa média de 43% no ganho líquido e uma redução de 25% no patrimônio líquido para essas empresas. A questão que motivou essa alteração refere-se ao momento da transferência dos riscos e benefícios para o comprador do imóvel. De acordo com o padrão internacional, isso ocorreria na entrega da unidade imobiliária, devendo as receitas serem reconhecidas nessa ocasião. Contudo, esse entendimento não pode ser visto como absoluto.
As promessas de compra e venda no setor imobiliário são irrevogáveis e irretratáveis. Isso significa que as partes não poderão desistir do negócio. Apesar de consideradas como promessas, por não haver a efetiva transferência jurídica da propriedade (essa só ocorre com o registro da escritura pública no Cartório de Imóveis), são contratos com grande potencial de eficácia jurídica.
Com efeito, os contratos decorrentes de incorporações imobiliárias são irretratáveis por própria disposição do artigo 32, parágrafo 2º, da Lei 4.591, de 1964. Inclusive, a lei confere ao promissário comprador o direito real oponível a terceiros, com possibilidade de adjudicação compulsória do imóvel, mesmo no caso de insolvência do promitente vendedor após o final da obra.
Por sua vez, o Código Civil estabelece que a promessa de compra e venda sem arrependimento confere ao promissário comprador direito real sobre o imóvel, se a promessa for registrada no Cartório de Imóveis. Não obstante, o direito conferido ao promissário comprador é tão relevante que a Súmula nº 293 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina que o direito de adjudicação compulsória sequer se condiciona ao registro do compromisso da compra e venda no cartório de imóveis.
Há ainda outros aspectos que demonstram que o promissário comprador assume os benefícios e riscos mais relevantes no que se refere à propriedade do imóvel. O STJ já definiu ser possível que o promissário comprador ajuíze embargos de terceiro para proteger seus direitos sobre imóvel penhorado por dívida que não é sua (AgRg no REsp nº 643.445). Além disso, o STJ também entendeu que o promissário comprador é quem tem o direito de receber a indenização em caso de desapropriação do imóvel (REsp nº 290.066).
Neste sentido, fica notório que o promissário comprador assume os benefícios e riscos mais relevantes durante a construção e não ao final, quando da entrega do bem, haja vista que a natureza da atividade da incorporadora é uma obrigação de fazer, consubstanciada numa prestação de serviços, fato gerador do ISS.
A transferência dos benefícios e riscos decorrentes da transação imobiliária ocorre com a evolução da obra. Diante disso, a receita deve ser reconhecida com base na evolução do percentual de conclusão do empreendimento por satisfazer todas as condições inerentes.
Não se pode esquecer que a principal função das Demonstrações Contábeis (DC) é fornecer informações sobre a posição patrimonial e financeira da entidade, que sejam úteis a um grande número de usuários em suas avaliações e tomada de decisão econômica. Assim, o registro equivocado de uma receita fará que a principal função das DCs não seja plenamente cumprida.
Ante o exposto, conclui-se que tanto o CPC 17 como o CPC 30 estão em perfeita sintonia com a estrutura conceitual, a qual define que qualquer receita deve ser registrada quando gerar aumentos nos benefícios econômicos sob a forma de entrada de recursos que resulta em aumento do patrimônio líquido.
Contudo, a questão é complexa e precisa ser discutida amplamente para que não seja adotada uma postura que cause prejuízo às incorporadoras e as obriguem a elaborar as suas demonstrações financeiras de maneira que não venha a refletir a realidade.
Adriano Ferraz, Bernardo V. Freitas e Paulo Machado são, respectivamente, advogados e consultor do Junqueira de Carvalho, Murgel & Brito Advogados e Consultores
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
<< voltar