segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Fabio Nogueira, o homem que apostou nas hipotecas

Clipping Express - Fabio Nogueira, o homem que apostou nas hipotecas

Patrícia Cançado e Marina Gazzoni

SÃO PAULO - O empresário Fabio Nogueira curtia as férias de fim de ano com a mulher e os quatro filhos em Fortaleza quando teve de pegar um avião de madrugada para São Paulo para uma reunião de urgência. Numa quarta-feira, entre o Natal e o Réveillon, ele vendia para o Banco Panamericano e o BTG, por R$ 1,2 bilhão, a empresa que ele e Moise Politi criaram 13 anos antes com apenas R$ 2 milhões. Os filhos só souberam pelos jornais no dia seguinte. "Eles nunca entenderam bem o que eu fazia. Era tanta Brazilian…", conta Nogueira, que, aos 51 anos, assumirá uma cadeira de executivo da sua Brazilian Finance & Real Estate (BFRE) assim que o Banco Central aprovar a operação.

Pudera. Para o brasileiro comum, entender a BFRE e todos os seus braços (Brazilian Mortgage, Brazilian Securities, Brazilian Capital e BM Sua Casa) não é tão simples. Os americanos já estão familiarizados - e traumatizados - com empresas do gênero. Inspirada nas americanas Fannie Mae e Freddie Mac - duas das maiores empresas de financiamento imobiliário daquele país, que foram socorridas pelo governo em setembro de 2008 -, a BFRE ajudou a emplacar o segmento de hipoteca no Brasil.

"A diferença é que somos mais conservadores. Eles entraram numa espiral, o cliente não tirava um centavo do bolso. Chegavam a emprestar 120% do valor do imóvel, e sem limite. Nós vamos até 50%, e com limite de R$ 800 mil", diz Nogueira. Sua empreitada como empresário começou com a Brazilian Mortgage, o braço hipotecário, mas terminou com uma holding de quatro empresas ligadas aos mercados financeiro e imobiliário.

O negócio

A Brazilian Securities é líder em securitização no País e, desde que foi criada, em 2000, emitiu R$ 9,3 bilhões em certificados de recebíveis imobiliários até novembro passado - 27,7% do total do mercado brasileiro, segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). São produtos financeiros lastreados em ativos imobiliários, como, por exemplo, valores que as incorporadoras têm a receber de seus clientes. Já a BM Sua Casa faz empréstimos ao consumidor e encerrou 2011 com 100 lojas.

Esse conjunto de empresas é o reforço que o Banco Panamericano precisava para entrar no mercado de crédito imobiliário. O segmento é uma das chaves do processo de reestruturação do ex-banco do apresentador Silvio Santos, que protagonizou o mais recente escândalo no mercado financeiro e foi comprado pelo BTG Pactual no início de 2011. Com uma presença maior no crédito imobiliário, o banco poderá fidelizar clientes - os contratos de financiamento têm prazo de até 30 anos. E, com o braço de securitização, ele garante recursos para imóveis. Hoje, a principal fonte vem da captação da poupança. Mas ela deve deixar de ser suficiente em breve.

Quando isso ocorrer, a securitização deve ser a principal alternativa para os empréstimos para a compra da casa própria (leia box ao lado). E o Panamericano será dono da maior empresa deste setor no Brasil. "A aquisição da BFRE permitirá a incorporação de uma plataforma consolidada de originação de crédito, em um mercado com grande potencial de crescimento", disse José Luiz Acar, presidente do banco, após o anúncio do negócio.

'Patinho feio'

O crédito imobiliário e seus derivados financeiros, no entanto, nem sempre estiveram no radar dos bancos. Nogueira percebeu o filão quando trabalhava numa sala apertada em um dos "puxadinhos" que o Bank Boston tinha na rua Líbero Badaró, no centro de São Paulo. Na ocasião, o banco era comandado pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, e Nogueira era um dos diretores. Repetindo a experiência que teve no BCN, no BFB e no Citi, ele também chegou ao Boston para criar a área de crédito imobiliário. "Quando esse mercado era incipiente no Brasil, o Fabio já estava totalmente dedicado a ele", disse Meirelles, por e-mail.

Nogueira diz que o Boston chegou a criar a primeira companhia hipotecária, mas parou por aí, porque a poupança, que crescia muito rápido, roubava toda a atenção. "Ali eu percebi que tinha uma oportunidade que não estava sendo aproveitada."

Àquela altura, os juros eram exorbitantes no País, o que fazia qualquer ideia como essa parecer uma insanidade. Gilson Schwartz, então economista-chefe do Boston, foi fundamental nessa virada. Ele não só apresentou Nogueira a Moise Polite, da Ourinvest, como ajudou os dois com o embasamento científico. "A perspectiva era que, em 8 a 10 anos, a taxa de juros cairia e a renda aumentaria, criando um mercado importante para o setor", diz Schwartz. "Olhando hoje, é fácil. Era uma aposta de risco." Schwartz continuou atuando como consultor e desde o ano passado é conselheiro da BFRE.

A Brazilian Mortgage nasceu um mês após a crise na Rússia e com um prazo de apenas dois anos para dar certo. Só vingou mesmo no fim de 1999, salva pelo Shopping Higienópolis. Seu dono precisava de algumas dezenas de milhões para terminar a obra, mas não tinha a quem recorrer. O crédito era escasso e os fundos de pensão, que costumavam financiar shoppings no Brasil, estavam parando de colocar suas fichas no setor.

Foi graças a essa situação que nasceu o primeiro fundo imobiliário de varejo do Brasil. Era de apenas R$ 40 milhões. Em 2011, o patrimônio líquido desses fundos somava R$ 12,7 bilhões no País, segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) - e quase 30% desse valor está sob gestão da BFRE. "Hoje parece pouco, mas, para nós, foi um divisor de águas. Até então, nossa situação era lamentável", diz.

O shopping ficou pronto ao mesmo tempo que sua mulher dava à luz o quarto filho do casal. "Em momento algum eu me arrependi de ter saído do banco para criar um negócio de risco e do zero. Se desse tudo errado, eu voltava ao que era antes."

Perfil

Filho de uma professora e de um dono de sorveteria, Nogueira casou-se cedo, aos 23. O primeiro carro do casal foi um Fusca 66, com furos no assoalho. Embora tenha se formado em Direito, nunca exerceu a advocacia. Começou a trabalhar aos 18 anos, no BCN, com poupança e crédito imobiliário, área que nunca mais deixou.

Nogueira não revela quanto ganhou com a venda. A BFRE tinha vários outros sócios: o fundo TPG-Axon, com 45% das ações; a Ourinvest, com 34% (Nogueira e outros cinco sócios estavam aqui); e a Equity Internacional, do investidor Sam Zell. "A venda não foi por dinheiro", diz. "A gente tinha musculatura para crescer mais dois anos."

A reestruturação do Panamericano foi uma grande oportunidade para dar essa musculatura à BFRE. Se não desistir do papel de executivo - o que não é incomum em casos como esse -, o plano de Nogueira é transformar a empresa em uma gigante de crédito imobiliário, mesmo que não seja mais sua.

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