segunda-feira, 18 de abril de 2011

Gafisa muda comando, digerindo Tenda

Valor | Daniela D'Ambrosio

18.04.2011

 

Amaral deixa a presidência da Gafisa, após cinco anos, e vai ajudar a escolher o sucessor: processo deve demorar 6 meses

Depois de cinco anos no comando da Gafisa, o presidente Wilson Amaral prepara-se para deixar a incorporadora este ano em um momento ainda delicado para a companhia. Mesmo tendo multiplicado por oito o tamanho da empresa, que saiu de uma receita de R$ 457 milhões em 2005 para R$ 3,7 bilhões em 2010, e conseguido melhoria das margens no ano passado - a companhia sempre esteve abaixo da média do setor e distante dos concorrentes diretos -, a Gafisa ainda digere os difíceis problemas da Tenda (adquirida em 2008) e vê seu nome no topo da lista das empresas com problemas de atraso nas obras.

Homem de confiança da GP, onde trabalhou por 12 anos e reestruturou várias empresas, Amaral entrou na Gafisa para fazer a abertura de capital da companhia, no início de 2006, quando estreou no setor imobiliário. Amaral vai para o Conselho da Gafisa e participará ativamente da escolha do novo presidente, que deve acontecer em um período máximo de seis meses. Segundo o executivo, foi dele a decisão de sair e também de comunicar o fato antecipadamente ao mercado. "Prego a transparência e não poderia ser diferente na minha saída", diz. "A Gafisa foi um dos maiores desafios da minha vida, mas já completei um ciclo."

Em vendas, a Gafisa fechou 2010 com R$ 4 bilhões, a terceira maior do setor, atrás de PDG e Cyrela. É a quarta em valor de mercado (R$ 4,28 bilhões), atrás de PDG, Cyrela e MRV. Pretende lançar este ano empreendimentos avaliados entre R$ 5 bilhões e R$ 5,6 bilhões. Sem a figura do dono, como na maioria das incorporadoras, tem 100% das ações negociadas em bolsa. É a única do setor listada na Bolsa de Nova York. Por ser profissionalizada, a saída de Amaral não foi mal recebida pelo mercado.

Antes de sair, Amaral precisa garantir que seu time esteja engajado com as questões importantes para a companhia nesse momento, entre elas o endividamento. Sempre muito alavancada, a companhia colocou nas projeções para 2011 que a relação dívida líquida sobre patrimônio líquido deve ficar abaixo de 60%. É a primeira vez que uma incorporadora elege esse tipo de índice como meta para o mercado - o que foi bem recebido pelos analistas. Para garantir seu cumprimento, a redução da dívida ganhou notoriedade dentro da empresa. Se não for cumprida, ninguém recebe bônus. "Em um ano como este, faz muito sentido reduzir a alavancagem", afirma Amaral.

A luz amarela acendeu, de acordo com os analistas, porque a companhia teve um consumo de caixa muito elevado no segundo semestre de 2010 para acelerar as obras, especialmente da Tenda. No fim de 2010, a relação dívida líquida/patrimônio líquido era de 66% na Gafisa. A dívida de capital de giro e as debêntures são indexadas ao CDI e, com o aumento das taxas básicas de juros prevista para este ano, podem chegar a níveis elevados. Todas as incorporadoras muito endividadas correm o mesmo risco. Do valor total da dívida da Gafisa, 55% estão atrelados ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH), cujo juro é prefixado e o indexador é a TR.

Outro desafio importante para a companhia continua sendo a Tenda: empresa de baixa renda adquirida em setembro de 2008, duas semanas antes da quebra do Lehman Brothers. Bem recebida pelo mercado à época, a compra envolveu uma sofisticada engenharia societária e ainda não foi totalmente digerida pela Gafisa. O principal gargalo está no gerenciamento do cliente. Além de ser um ativo de baixa renda, a Tenda atraiu a Gafisa pela estrutura de varejo que montou (com lojas espalhadas pelo país), mas tinha problemas estruturais. O erro estava em vender diretamente ao cliente em um sistema de autofinanciamento, sem análise de crédito. Sem banco, precisou usar o dinheiro captado na bolsa para executar obras e, rapidamente, ficou sem liquidez. Amaral diz que sabia do problema, tanto que pagou quase nada pela companhia (na época a ação valia menos de R$ 2, depois de ser lançada a R$ 9,00.). "Era o preço justo na época."

De acordo com o executivo, a integração entre as duas empresas foi rápida e hoje a Tenda já opera com um modelo padronizado de projetos e, por conta da Gafisa, passou a ser cliente da Caixa Econômica Federal (CEF). A Tenda quase quadruplicou o número de unidades contratadas com a CEF, de 6 mil em 2009 para mais de 22 mil em 2010.

Apesar desse aumento, o repasse dos clientes de Tenda à CEF continua sendo a pior herança da empresa mineira. Ao longo da construção, muitos compradores perderam renda e, agora, não conseguem ser aprovados pela CEF. Essas unidades são retomadas e revendidas. Segundo Duilio Calciolari, diretor financeiro da Gafisa, cerca de 20% das vendas está sendo distratadas. "O giro é rápido e não tem efeito econômico porque hoje o imóvel vale mais", diz Calciolari.

Entre as incorporadoras grandes, a Gafisa é a que tem menores múltiplos, quando se compara valor de mercado em relação ao valor patrimonial. O índice é de 1,2 contra 2,1 da MRV; 1,7 da PDG; e 1,5 de Cyrela e Rossi. "Já era para a empresa ter dado uma virada", diz Eduardo Silveira, analista do Banco Fator. "O ano bom de Gafisa parece ser sempre o ano seguinte."

Por outro lado, a companhia é reconhecida por antecipar tendências, como a própria compra da Tenda, a compra do condomínio residencial Alphaville, próximo à cidade de São Paulo, e por ter sido uma das primeiras a adotar uma postura mais conservadora durante a crise. Está contabilizando estouros de orçamento, no balanço, há mais tempo que as demais. Hoje, um dos seus melhores negócios é a marca Alphaville, que ajuda e melhorar os resultados da companhia _ embora tenha fatia menor nas vendas. Em 2010, a marca Gafisa representou 49% das vendas totais; Tenda foi responsável por 46% e Alphaville 15%.

Com 15 loteamentos lançados em 2010, as vendas de Alphaville esgotaram-se nos primeiros dias. O balanço da companhia mostra que Gafisa contribuiu com 25,7% da margem bruta da companhia em 2010, Tenda com 29,6% e Alphaville com 43,6%.

No curto prazo, a empresa sinaliza margens menores no primeiro semestre, abaixo das expectativas do mercado. "Dentro da nossa política de total transparência, preferimos avisar ao mercado", diz Calciolari. “Essa diferença deve-se à redução no volume de receita pela queda no volume de lançamentos em 2009, entrega dos imóveis de Tenda com menor margem e a intenção da empresa em dar descontos nas unidades prontas.” Preferimos ter liquidez e dar descontos em unidades que sobraram, diz Amaral.

O problema de atraso na entrega das obras é generalizado. Há cerca de duas semanas, porém, circulou no mercado uma pesquisa da Tapai Advogados, com base nos dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, apontando Tenda e Gafisa como as empresas com maior volume de unidades em atraso.

A Gafisa divulgou nota dizendo que não reconhece os números e que os dados não têm relação com os processos identificados pelo departamento jurídico da companhia. "Eu tenho meta de qualidade de atendimento ao cliente e toda a empresa também", diz, acrescentando que a companhia acaba de encomendar uma pesquisa para o consultor Paulo Secches que mostra que a imagem de Tenda não está arranhada. "Achávamos que Tenda poderia ter recall negativo, mas não", afirma. A Gafisa teve um volume de entrega de obras de R$ 1,7 bilhão em 2010. A estimativa do Banco Fator é que entregasse R$ 1,9 bilhão.

 

 

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