quarta-feira, 6 de abril de 2011

Direito Real de Superfície como lastro para operações de CRI: Demanda a concessão da superfície com destinação específica?

Recorrente a discussão que trata sobre a concessão do Direito Real de Superfície sem destinação específica, ou seja, se o titular de um imóvel pode ou não conceder a um terceiro a superfície do seu imóvel sem que seja com a destinação específica de “construir” ou “plantar” como prevê o Código Civil Brasileiro.

 

Tal discussão se tornou mais latente com o uso do crédito do pagamento a prazo do preço da superfície com lastro para operações de Certificado de Recebíveis Imobiliários (“CRI”).

 

Para esclarecer tal questão, faz se necessário primeiramente, de maneira sucinta, explicitar no que consiste o Direito Real de Superfície e qual a sua origem.

 

Segundo Melhim Chalhub, “O direito de superfície é o direito real de ter coisa própria incorporada em terreno alheio”. Tal instituto é uma adaptação da concessão de terrenos públicos a particulares, do Direito Romano, e a herança germânica, da Idade Média, da dicotomia do direito de propriedade. A superfície representa clara bifurcação entre o domínio sobre o solo, do concedente, e o domínio sobre a superfície, do superficiário.

 

A superfície é objeto de propriedade autônoma do superficiário, constituindo direito real temporário e suspende ou interrompe o princípio da acessão, segundo o qual tudo que é construído ou realizado no terreno pressupõe propriedade do proprietário do solo. Logo, passa a existir a propriedade do solo e a acessão, não se incorporando, portanto, ao patrimônio do concedente as coisas ali assentadas.

 

A propriedade superficiária é autônoma e, dessa forma, pode, inclusive, ser objeto de garantias reais. Podendo, por conseguinte, o superficiário alienar fiduciariamente ou hipotecar sem que o concedente tenha qualquer responsabilidade perante o fiduciário ou credor hipotecário.

 

Tal instituto, a superfície, foi regulado à priore no ordenamento jurídico brasileiro pelo Estatuto da Cidade (arts. 21 a 24 da Lei nº 10.257/2001) e, depois, pelo Código Civil de 2002. Contudo, há divergências entre ambas as leis no tocante a extensão do direito de superfície. Enquanto na lei civil a superfície só pode ser concedida para construção ou plantação, a lei 10.257 não delimita a superfície a apenas estes escopos (art. 21).

 

De acordo com Norberto Bobbio, em sua Teoria do Ordenamento Jurídico, quando há esse tipo de antinomia prevalece a lei específica (Lei nº 10.257/2001) sobre a lei geral (Código Civil), quando iguais hierarquicamente (leis ordinárias), mesmo que esta seja posterior. O princípio que embasa tal afirmação é “Lex posterior generalis non derogat priori speciali”. Ainda, o Enunciado 9 da Jornada de Direito Civil, explicita que as normas sobre o direito de superfície do Código Civil não revogam a regulamentação do Estatuto da Cidade sobre tal matéria.

 

Dessa forma, considera-se plausível a concessão do direito de superfície sem fins específicos.

 

O direito de superfície é uma boa alternativa para as operações de CRI realizadas com lastro em créditos decorrentes de “built-to-suit”, dado que, (i) permite a securitização de imóvel pronto e (ii) pelo fato da superfície ser garantia mais segura do que o aluguel, pois a superfície possui preço previamente estabelecido e mesmo que o superficiário decida desistir do havido, a superfície, o preço continua sendo dívida, não afetando, portanto, o fluxo dos recebimentos que amparam o adimplemento dos CRIs.

 

 

Juliano Cornacchia (jco@pmka.com.br)

 

Henrique Amatruda Marum (hma@pmka.com.br)

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário