terça-feira, 28 de dezembro de 2010

SUOR À VISTA

Valor Investe - São Paulo/SP - CAPA - 24/12/2010 - 10:45:00

 

Com turbulências externas ainda no horizonte, agilidade, diversificação e seletividade serão palavras de ordem para lucrar em 2011 Esqueça o piloto automático. Uma lição recente e que continuará válida em 2011 é que os caminhos até os ganhos serão provavelmente sinuosos. Ganhar dinheiro, seja com aplicações ligadas a juros ou no mercado de ações, exigirá atenção, agilidade e, eventualmente, estômago para aguentar momentos de turbulências. Nesse trajeto, uma cochilada ou uma manobra descuidada pode custar muito ao bolso do investidor. Para os gestores, seguir uma única estratégia, "esquecendo" os recursos em determinado mercado, é uma alternativa com chances cada vez menores de sucesso neste mundo pós-crise - e ainda em lenta recuperação. Sai de cena a passividade: será preciso olhar mais a fundo, escolher papéis com cuidado, diversificar e reavaliar constantemente o horizonte da carteira montada. Os anos de ouro das aplicações em juros ou do índice Bovespa (Ibovespa) em desabalada alta ficaram no passado, acreditam os especialistas. Isso está longe de significar que não será possível ganhar com aplicações atreladas ao certificado de depósito interfinanceiro (Cm) ou à bolsa. O que não é mais tão confortável, dizem, é deixar boa parte dos recursos num fundo DI ou numa carteira passiva e indexada ao Ibovespa. Seguir essa linha é renunciar a um leque grande de investimentos disponíveis atualmente, capazes de contrabalançar o risco e aumentar o retorno total do portfólio. "Antes, os juros eram tão altos que, mesmo em cenários mais complexos, os danos para a carteira não eram tão grandes", observa o superintendente de gestão de fundos do Santander, Eduardo Castro. Em anos como 2006 e 2007, antes do estouro da crise, o Ibovespa subiu 32,9% e 43,6%, respectivamente. Os fundos DI renderam, em média, 15% em 2006 e 11,8% no ano seguinte. Resultados que tendem a ficar cada vez mais no passado, acreditam gestores e estrategistas. Para Mauro Bergstein, diretor do Credit Suisse Asset Management, uma rápida análise da variação dos ativos em 2010 já dá a dimensão de que não é mais possível simplificar. "Se você olhar o comportamento do Ibovespa, ficou de fato muito aquém do cm, mas, se observar o índice de 'small caps' [empresas menores, com liquidez reduzida], o ganho foi muito superior ao dos juros", afirma. Para ele, é uma evidência clara de que a seleção ativa dos papéis da carteira foi, e continuará sendo, crucial. Castro, do Santander, concorda. Ele acredita que 2011 trará novos capítulos, provavelmente mais desafiadores, de uma mesma história. O que deixou os investidores um pouco confusos é que este quadro de altos e baixos na bolsa, por conta do processo de recuperação de uma grande crise, era esperado para 2009, mas o que se viu foi muito diferente. Naquele ano, a bolsa local surpreendeu os mais pessimistas e mostrou uma trajetória relativamente firme, atraindo capitais ávidos pelo potencial de crescimento de países emergentes, como o Brasil. O Ibovespa acabou encerrando o período com alta de 82,6%. Nada mau. Mas o choque de realidade chegou em 2010. Os já esperados problemas de endividamento de importantes países europeus, como Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha, tornaram-se claros, colocaram o euro em xeque e estão exigindo mobilização do bloco e sacrifícios fiscais dos países. As medidas devem ter impacto direto na capacidade de recuperação europeia. Nos Estados Unidos, as dificuldades de fazer a economia voltar a girar em níveis mais altos também ficaram evidentes e o fantasma de que uma recaída da recessão poderia ocorrer passou a rondar o gigante. No contraponto de um mundo desenvolvido com baixíssimas taxas de juros e crescimento medíocre estão os países emergentes, com economias embaladas pela dinâmica de consumo interno - como o Brasil. Esta foi a história que se desenhou de forma mais clara nos últimos nove a dez meses, e é a tônica do cenário que os gestores esperam ver ainda durante algum tempo na economia global. As repercussões disso nos mercados podem, como tem se observado, ser bastante bipolares, alternando momentos de otimismo com outros de preocupação. Toda vez que problemas conjunturais ganharem os holofotes, como se viu no caso da Grécia, no primeiro semestre de 2010, e mais recentemente com os percalços da Irlanda, os mercados balançarão com mais força. É nesse espaço da volatilidade que a gestão ativa ganha força, aproveitando-se do descompasso de preço dos ativos. "Não vemos mudança estrutural nesse quadro. Achamos que a economia mundial vai continuar andando 'de lado' por um bom tempo", diz Marcelo Mello, vice-presidente da SulAmérica Investimentos. O presidente do Modal Asset Management, Alexandre Póvoa, é mais um do time que acredita que 2011 será uma extensão de 2010, com os fundamentos da economia global tortuosos e o humor dos grandes investidores muito oscilante. O reflexo disso nos mercados é o mesmo: quando o ambiente está tranquilo, os recursos fluem com grande intensidade para o Brasil, mas ao surgirem ruídos internacionais os aplicadores se retraem, vendendo ativos de risco. O executivo, entretanto, vê na China um cenário que "está mais para solução do que para problema". E entre os emergentes, diz, o Brasil segue como opção atrativa, com perspectiva de crescimento maior do que a média mundial. "Os juros no país ainda são elevados e o nível de reservas internacionais, próximas a US$ 300 bilhões, ainda confere tranquilidade para enfrentar a questão cambial", avalia. Mas também aqui é preciso ficar atento a mudanças de horizonte. "Não se pode descartar uma bolha de preços em mercados emergentes e moedas", pondera. Nesse ambiente tão suscetível, há quem acredite que a melhor estratégia é combinar diferentes tipos de produtos na carteira, buscando um equilíbrio entre papéis atrelados a juros pós-fixados, títulos que acompanham a inflação e ações muito bem selecionadas. Outros entendem que a diversificação pode ser maximizada com a escolha criteriosa de um fundo multimercado. "Essa expectativa de volatilidade significa que os ganhos não deverão ficar concentrados num único mercado ou numa única tendência, e o multimercado é o veículo que dá mais agilidade e alternativas", diz Castro, do Santander. Mas, se a maré deve ficar mais errática, será por conta das incertezas e dificuldades externas ao Brasil. É unânime a visão de que o país está em situação de muita vantagem, assim como outros emergentes. "No Brasil, as coisas estão caminhando bem e não esperamos grandes mudanças com o novo governo" , afirma Bergstein, do Credit Suisse Asset Management (CSAM). "Os pilares da estrutura macro devem se manter, talvez com pequenas modificações”. Ele vislumbra ainda a chance de alguns setores da economia ganharem impulso maior, como em quase todas as áreas da infraestrutura. E não apenas em função de eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, embora reconheça que eles possam funcionar como gatilhos para agilizar o processo. Taís projetos, diz, devem continuar atraindo investimentos para o país, tanto aqueles diretamente na produção como por meio do mercado financeiro. "Temos feito muitas viagens ao exterior e notamos um interesse cada vez maior dos investidores pelo Brasil e por todas as possibilidades existentes por aqui, embora haja uma preocupação com o câmbio e as mudanças no IOF (taxação maior para aplicações em renda fixa, anunciada em outubro)", diz o diretor do CSAM. Com o desemprego no menor nível da série, como mostrou o dado do IBGE para outubro, e a renda do trabalhador em patamar alto, além do crédito em espiral ascendente, o horizonte pode até ser alvissareiro para as empresas que surfam na demanda interna. Mas, para os gestores de renda fixa e os investidores que buscam aplicações atreladas aos juros, tudo isso sugere um cenário desafiador. Sobretudo porque, já no fim de novembro, começavam a aumentar os sinais de que a inflação estava ainda mais pressionada do que se imaginava. Logo após ser confirmado no cargo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou, em entrevista ao Valor, que o novo governo pretende "fazer uma redução de gasto para valer" . Esse maior rigor fiscal representa uma ajuda para o controle da inflação. Um novo ciclo de alta da Selíc, no entanto, também é tido como inevitável. O sentimento geral do mercado é de que os juros têm de subir. O que se equacionava ainda, no fim de novembro, eram as expectativas de quando seria iniciado o ajuste, e qual será o tamanho. Em meio a essas grandes linhas, muitos gestores analisam e esperam outros detalhes para traçar suas estratégias. "Ainda não sabemos efetivamente como vai ser toda a política econômica. Havia inicialmente uma expectativa de que pudesse também se focar em questões mais micro, como a tributária, da educação, regulação, infraestrutura, o que poderia aumentar a capacidade de crescimento do país", diz Gilberto Poso, superintendente de gestão de patrimônio do HSBC. Para Póvoa, do Modal, por mais que o sentimento seja de continuidade com o governo Dilma, ainda é difícil fazer apostas firmes. Ele afirma que, pelas percepções iniciais, se tiver que optar entre subir muito os juros em 2011 ou deixar a inflação um pouco mais solta, a nova equipe econômica poderia escolher a segunda opção. "Mas nada descontrolado", acredita. "E é preciso lembrar que aumentar os juros pode ter um efeito colateral no câmbio." O ideal, comenta, seria fazer um ajuste fiscal, mas ele não espera nada tão austero. O diretor de investimentos da Safdié Gestão de Patrimônio, Otávio Vieira, recomenda evitar ativos prefixados de longo prazo. Em sua opinião, há indicias de que a inflação subirá, mas em algumas entrevistas foi sinalizado também um desejo do governo de que o pais possa ter uma taxa de juros menor de forma mais estrutural. Para que o investidor tenha liquidez na mão em caso de oscilações mais fortes do que o previsto no mercado, Vieira sugere títulos públicos ligados à inflação e fundos DI. Na seara do crédito privado, as opções seriam fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs) com créditos originados por factorings e carteiras de consignado ou certificado de recebíveis imobiliários (CRIs). Neste último caso, ele prefere aqueles indexados ao IGP-M, "pois o indicador tem uma correlação importante com o câmbio". Mas faz um alerta: trata-se de uma alternativa muito pouco líquida. Para investidores mais sofisticados, Vieira destaca os fundos ligados ao setor imobiliário, de preferência os que compram CRIs. Ele alerta que, nessa categoria, para escolher portfólios que invistam diretamente em imóveis, é necessária uma análise mais detalhada, levando em conta as características do empreendimento (galpão, imóvel comercial, voltado à baixa renda etc). "Neste caso, é preciso ter a visão do projeto, considerando todos os riscos envolvidos”. Para Poso, do HSBC, quem gosta de investir em imóveis deve ficar atento aos riscos, já que os preços vivem um forte ciclo de alta. Se os recursos forem de longo prazo, com o objetivo de formar um bom colchão para o futuro, os papéis atrelados à inflação continuam sendo uma oportunidade, avalia José Alberto Tovar, executivo responsável pela BNY Mellon Arx. Esses títulos oferecem uma taxa de retorno embutida, hoje em torno de 6%, mais a variação da inflação. "É uma boa proteção por um período bem longo", diz. Mas, se a ideia for aplicar em ações, o nível de atenção deve ser redobrado. E a seletividade está na ordem do dia. "Nossas expectativas para a bolsa são boas, mas é preciso tomar cuidado com previsões, porque Petrobras e Vale pesam muito no índice (lbovespa)", diz Tovar, lembrando que em 2010 as duas estrelas do indicador passaram por situações difíceis na bolsa. Em momentos como esse, pondera, é preciso olhar para todos os setores e empresas listadas, e não apenas para o índice principal. Mas, justamente por conta do que já se passou, o novo cenário é, para Lika Takahashi, estrategista da Fator Corretora, mais favorável para "blue chips" do que para "small caps". Segundo a especialista, os potenciais de retorno dessas duas categorias de ações estão atualmente muito parecidos - e no desempate a balança pende para as maiores. "Em um ambiente conturbado como o atual, é preciso dar prêmio para a liquidez", comenta. Em relação à Vale, ela pondera, no entanto, que os rumores de maior interferência política e possíveis mudanças na regulamentação do setor podem ainda não estar devidamente precificados. Com isso, o risco embutido no papel pode ser maior do que aparenta. Quanto à Petrobras, Lika afirma que, com uma queda acumulada de aproximadamente 30% em 2010, até fins de novembro, o ativo já apanhou bastante. "Agora está limpo", brinca ela. "A ação pode até não andar tão rápido, mas creio que está livre para subir, acompanhando as expectativas quanto às reservas de petróleo do pré-sal." De acordo com ela, o cenário atual não é favorável para papéis de siderúrgicas e empresas de papel e celulose, por exemplo. O principal problema para ambos os setores é o câmbio. A estrategista lembra que o aço importado tinha uma participação pequena no mercado brasileiro e, recentemente, chegou a atingir 25% do total consumido no país. Comportamento semelhante, embora em menor escala, é visto com o papel importado que tinha fatia de 12% em 2009 e bateu em 16% ao longo de 2010, até novembro. Lika prevê uma inflação na casa de 5% em 2011. Com isso, diz, os custos operacionais de algumas companhias podem ficar acima das receitas, reduzindo as margens de lucro. No novo cenário, haverá dificuldades maiores para repassar reajustes. Difícil mesmo é encontrar algum consenso em torno das expectativas para empresas ligadas ao consumo interno no Brasil. Neste campo, os ativos subiram muito, mas alguns gestores chegam a admitir que podem ter deixado o jogo antes da hora, já que as ações continuaram ampliando as máximas de preços. Mas há quem veja expectativas renovadas de expansão no varejo e no crédito, o que poderia continuar impulsionando os papéis. "É dado que o faturamento dessas companhias continuará a crescer, mas é preciso tomar mais cuidado nas análises, sobretudo para checar se as margens de ganho vistas atualmente irão se sustentar. São ativos que já estão razoavelmente precificados", afirma Lika. Bergstein, do CSAM, ainda vê boas histórias em empresas com negócios ligados ao mercado interno e continua bastante atento às chamadas "small e mid caps". "Também há muita oportunidade nos fundos do tipo long and short." Consultado por investidores a respeito de ações que podem se beneficiar de uma conjuntura de alta da inflação em 2011, o departamento de análise do Credit Suisse (que é separado da gestora) elencou, em relatório, companhias como a geradora de energia AES Tietê, a também energética Transmissão Paulista (CTEEP), a BR Properties (gestão e locação de imóveis comerciais), OHL Brasil (concessão rodoviária) e BR Malls (shopping centers). São todos grupos cujo faturamento pode evoluir na carona dos índices de inflação, ao passo que suas obrigações operacionais tendem a avançar em escala menor. A Tietê, por exemplo, tem cerca de 95% da receita total atrelada a um contrato de longo prazo, com reajuste anual baseado no IGP-M. Sua dívida, porém, é corrigida pelo CDI. Situação semelhante é a da CTEEP. Em meados de novembro, o Credit tinha recomendação "outperform" (acima do mercado) para ambas, a mesma de BR Properties e OHL. A avaliação de BR Malls era "neutra", dado o reduzido potencial de ganho do papel naquele momento. 

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