quarta-feira, 27 de outubro de 2010

'Gávea vai deixar de ser o Fundo do Arminio', diz Armínio Fraga

Publicada em 27/10/2010 às 08h39m

Bruno Villas Bôas


RIO - O ex-presidente do Banco Central (BC) Arminio Fraga recebeu nesta terça-feira O GLOBO em seu escritório na Gávea Investimentos, no Leblon, pouco antes da assinatura dos contratos de venda da gestora para o Highbridge Capital Management, braço de gestão de fundos alternativos do gigante americano JPMorgan. Segundo ele, que não revelou o valor da operação, o objetivo é despersonalizar a Gávea, que deixa de ser o "Fundo do Arminio".


O GLOBO: Por que vender a Gávea apenas sete anos depois da criação da gestora?

ARMINIO FRAGA: Uma empresa que tem fundadores como Luiz (Luiz Fraga, primo e sócio de Arminio) e eu, que passamos dos 50, em algum momento vive essa questão. Se chega a um belo dia em que precisamos pendurar as chuteiras, ainda que hoje falte alguns anos. E isso é possível embaixo do JPMorgan e Highbridge. O interessante foi costurar isso com meus sócios mais jovens, que têm de 28 a 40 anos. Eles ficaram motivados. Enxergam que isso cria uma base que depende menos de pessoas como Luiz e eu. É importante que, com o tempo, o negócio passe a ser menos personalizado, que a Gávea deixe de ser o "Fundo do Arminio" ou "Fundo do Luiz".

Mas a Gávea foi vendida por quanto? O mercado estimou em até US$ 1 bilhão.

ARMINIO: Isso nós decidimos não comentar.

Pelo acordo, o senhor permanece por mais cinco anos. A Gávea continua com uma gestão independente?

ARMINIO: Sim, continua independente, como é hoje. E o nome permanece o mesmo. Mas alguns produtos devem ter o nome Highbridge, que comprou 55% agora e nos próximos anos vai comprar o restante. É um acordo que tem claro o período de pagamento. Mas o negócio não interessaria para o JPMorgan ou para nós se isso acabasse no quinto ano. Pensamos em novos produtos, como fundo imobiliário e relacionado a crédito. Mas é difícil prever agora até onde podemos ir. Vejo um desafio aqui, de construir algo que dure mais. Temos de balancear o desejo de crescer e a habilidade de entregar um bom desempenho. Não adianta fazer um casamento com um gigante, crescer muito e não manter um bom padrão de investimentos.

O candidato José Serra elogiou o senhor em recente entrevista e o mercado especulou sua volta em um governo tucano. Isso fica descartado?

ARMINIO: Eu achei supersimpático ser lembrado. É um assunto teórico. Eu não fui convidado e nem sondado. E até porque as pessoas sabem que tenho compromissos aqui. Não é questão apenas do contrato, mas um compromisso que assumi com meus clientes, meus sócios e agora com sócios novos.

Com a estrutura do JP, o senhor vai ter mais tempo para outras atividades?

ARMINIO: Fica tudo igual. Sou o principal responsável pelo negócio e presidente do Comitê de Investimentos. Mas, no caso dos fundos multimercado, com Gabriel Srour, que é meu copresidente. E nos fundos de longo prazo (private equity) com Luiz.

O aumento da alíquota de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras de investimentos estrangeiros subiu de 2% a 6% este mês) terá impacto na Gávea?

ARMINIO: Pode ter algum impacto, mas não para a maior parte do que fazemos. O governo quer evitar mais valorização do real taxando investimento de curto prazo. Mas, se você pensar a longo prazo e em diferentes formas de investir, como private equity e hedge funds, existem oportunidades no mercado.

O senhor acredita que o IOF vai ser suficiente para conter a valorização do real?

ARMINIO: Se isso vai ser bem sucedido ou não, vamos ter de esperar para saber. Mas sem reduzir os juros, vai ser difícil. E para reduzir os juros você precisa trabalhar o lado fiscal e talvez de crédito, o que não é fácil. Caso contrário, a pressão vai continuar. O Brasil continua bem e paga juros irresistíveis. Podemos tentar bloquear a entrada com taxas e isso pode funcionar por um tempo. Mas basta olhar para a China, que tem todo o tipo de controle, e ver que o dinheiro continua entrando por lá.

O ministro Guido Mantega voltou a afirmar que a questão fiscal não tem nenhuma relação com o câmbio.

ARMINIO: Economia é uma disciplina complicada. Você pode ter suas opiniões e conduzir a política como achar que cabe melhor. Mas eu vejo uma conexão entre a política fiscal e os juros. E vejo uma conexão entre juros e taxa de câmbio.

A Gávea tem clientes estrangeiros. O que eles acharam da capitalização da Petrobras?

ARMINIO: A capitalização da Petrobras foi uma transação com partes relacionadas, entre a empresa e o governo, que vendeu receitas futuras de petróleo. Os investidores tipicamente se assustam quando veem uma transação grande com parte relacionada, assim como se assustam quando começam a desconfiar da qualidade nos números na área fiscal. Eu acredito que são circunstâncias, em parte, ligadas à visão que o governo tem da Petrobras e a parte fiscal por pressões eleitorais. Eu espero que na parte fiscal seja algo transitório. Na Petrobras, já está feito.

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