sexta-feira, 4 de maio de 2012

Banco teme descasamento entre caderneta e crédito

Clipping Express - Banco teme descasamento entre caderneta e crédito

Aline Lima, Edna Simão, Carolina Mandl e Chiara Quintão | De São Paulo e Brasília

As novas regras de remuneração da poupança não vão implicar, a princípio, em mudança na indexação dos contratos de financiamento imobiliário. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, negou ontem veementemente que haverá alguma alteração na forma como são feitos os financiamentos habitacionais no país. "Hoje existe grande concorrência no crédito imobiliário, porque a população brasileira ganhou condições para comprar a casa própria", afirmou.

Mas a adoção de uma taxa variável para os financiamentos à habitação já se apresenta no horizonte do setor imobiliário como solução plausível para o financiamento à habitação num cenário de Selic igual ou inferior a 8,5% ao ano, no qual entrará em vigor o novo cálculo de rentabilidade da poupança.





Por ora, o governo descarta mudanças na indexação terá taxa dos financiamentos imobiliários. O raciocínio é que, no momento em que a Selic chegar a 8,5% ao ano e a TR zerar automaticamente, incidirá sobre os contratos de crédito imobiliário somente o juro previamente pactuado.

Mas, sem qualquer alteração nos contratos de financiamento sob as novas regras da poupança, o sistema financeiro poderia incorrer em risco de "descasamento" entre passivo e ativo. Isto é, o custo do "funding" oscilaria conforme a Selic, enquanto a taxa cobrada do mutuário permaneceria fixa. Algo particularmente arriscado em cenário de alta da Selic. Enquanto não se mexer nos contratos de financiamento, é bem provável que os bancos mantenham uma "gordura" na taxa cobrada dos clientes, para absorver possíveis choques no custo do funding.

"É razoável imaginar que os contratos de financiamento feitos com recursos da poupança sob essas novas condições carreguem também as mesmas características de correção", defende Flávio Prando, vice-presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo.

O tema é delicado e poderia ser considerado uma quebra de paradigma superior até mesmo à (quase) extinção da Tabela Price como sistema de amortização do financiamento imobiliário. Octavio de Lazari Junior, presidente da Associação Brasileira de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), lembra que a flutuação dos contratos de financiamento conforme a oscilação da Selic poderia encarecer a prestação da casa própria. "Não é uma solução descartada, mas acho pouco prudente", diz.

A caderneta, ao lado do FGTS, é uma das principais fontes de recursos do crédito habitacional, tendo respondido por cerca de 40% das operações do sistema em 2011. Os contratos de financiamento têm taxa pré-fixada mais a variação da TR, à exemplo da atual remuneração da poupança.

Uma eventual perda de atratividade da poupança frente a outras alternativas de investimentos sob as novas regras de remuneração também vem sendo considerada pelo setor, embora esse problema se mostre, aparentemente, menos preocupante. "As instituições financeiras começarão amanhã mesmo [hoje] a orientar os poupadores e tranquilizá-los", diz Lazari Junior, que é diretor da área de empréstimos e financiamentos do Bradesco.

O compulsório de 30% sobre os depósitos em poupança recolhido pelo Banco Central (alíquota de 20% mais um adicional de 10%) também poderia servir de "colchão" no caso de uma migração brusca de recursos. Para um grande banco de varejo, se em um primeiro momento houver algum tipo de escassez de funding para o financiamento imobiliário, o governo deve vir a se valer desse instrumento. Ao reduzir essa obrigatoriedade, o governo injetaria mais recursos para gerar novas operações de financiamento.

Mas a ideia geral é que, mantidas as características de isenção fiscal, liquidez, facilidade e segurança, a caderneta de poupança estaria a salvo de uma "corrida" por saques. Várias construtoras esperam até mesmo que, num primeiro momento, antes que as novas regras entrem em vigor, haja aumento dos recursos da poupança, por parte de investidores interessados em se beneficiar das regras antigas.

Para Zeca Grabowsky, presidente da PDG Realty, em função das novas regras, o antigo estoque de recursos da poupança terá menos volatilidade do que poderia ter no passado. "Isso é a garantia que o saldo da poupança se torna um funding de longo prazo", diz Grabowsky. O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, elogiou a decisao do governo, "já que preservou a regra antiga para o estoque já existente", disse ao sair ontem à noite da reunião com a presidente Dilma Rousseff, em Brasília.

Já a tese de que os financiamentos imobiliários poderiam sofrer redução de preço na medida em que a Selic mantiver sua trajetória de queda (agora sem a "trava" da poupança) e o custo de captação dos bancos acompanhar o movimento declinante não é unanimidade no mercado. Para Fabio Nogueira, da Brazilian Finance & Real Estate (adquirida pelo banco PanAmericano), o fato de os bancos precisarem remunerar o estoque atual de poupança a uma taxa de 0,5% ao mês deve inicialmente barrar uma queda do custo do financiamento imobiliário. "Cientes de que vão ter de pagar essa remuneração ao poupador que continuar com o investimento, os bancos podem tentar se proteger cobrando um pouco mais de quem toma um novo financiamento imobiliário."

Na avaliação de analistas de mercado e até de técnicos do governo, a oscilação constante da remuneração embute "risco adicional" aos contratos de até 30 anos, dificultando o repasse integral de uma redução dos juros. Os bancos temem uma elevação da taxa básica de juro no longo prazo e, com isso, ter uma redução de seus ganhos. Portanto, a nova rentabilidade da caderneta de poupança poderá limitar uma queda mais brusca nas taxas de juros praticadas nos financiamentos imobiliários.

Mas para o ministro da Fazenda, a redução do juro pelos bancos, por conta do barateamento do funding, será inevitável por causa da elevada concorrência no segmento. Um dos mecanismos que deverá ser aprimorado pela área econômica para pressionar a queda de juros ao tomador final será a portabilidade do empréstimo de uma instituição para outra. Mas há dúvidas sobre como seria aplicada a portabilidade nesse novo cenário. "Teremos que ajustar a portabilidade e a equipe econômica está estudando esses ajustes", disse Mantega.



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