quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Peres, o bom vendedor que estuda a cabala

Valor Econômico, Heloisa Magalhães e Paola Moura, 15/ago

Místico, judeu não praticante, mas grande admirador do judaísmo. Estudioso da cabala e de seus ensinamentos sobre a alma humana. Bom vendedor, inquieto, criativo, notívago, ousado, apaixonado pelo mar. É assim que José Isaac Peres, fundador da Multiplan, uma das maiores empresas de shopping centers do país, se vê.

 

Uma conversa com ele é recheada de histórias curiosas sobre as empresas que criou, entremeadas de questionamentos existenciais e interpretações espirituais.

 

"Você sabe por que está aqui nesta vida? Diga: qual o sentido da vida? A cabala responde muito bem. Mostra que você está aqui para satisfazer seus desejos. Umas pessoas têm desejo material, outras intelectual e (estas últimas) não se contentam em satisfazer apenas os desejos materiais", diz.

 

E continua: "Existe um terceiro nível que está ligado à honra, à religião, ao poder. Aliás, poder é uma droga, as pessoas se acostumam e não têm mais limite. Veja um político, se não é reeleito, entra em depressão. Já o empresário, quando quebra, quebra internamente, emocionalmente", afirma.

 

E Peres, aos 72 anos, já fez algum negócio que não deu certo? "Passei momentos difíceis na vida, mas nunca fiz um negócio que não desse certo. Em [cerca de] 400 projetos, houve aqueles em que não ganhei ou empatei ou tive pequeno prejuízo. A gente nunca ganha muito, fica com o residual. Um negócio só é bom para o empresário se for bom para quem compra", resume.

 

E o comprador nem sempre acha que fez um bom negócio. Neste ano, a Multiplan foi acionada na Justiça por moradores do condomínio Royal Green, na Barra da Tijuca, que reclamavam da área comum do empreendimento. A Multiplan já fechou acordo com os moradores, e agora vai acionar a construtora, por quebra de contrato. Há quatro anos, a companhia adotou a mesma postura com alguns moradores do condomínio Golden Green, também na Barra: indenizou aqueles que, na Justiça, diziam que a empresa havia lhes tirado a prometida vista para o mar, quando decidiu construir mais três prédios no luxuoso condomínio, onde morou o ex-jogador de futebol Ronaldo e onde vive Peres.

 

Na lista das mil pessoas mais ricas do mundo, da revista "Forbes", o fundador da Multiplan aparece na posição número 854. Entre os brasileiros, está no grupo dos 35 mais abonados. Sua fortuna é estimada em US$ 1,5 bilhão.

 

Como é a sua relação com poder, dinheiro, satisfação de desejos? "No plano material sou uma pessoa mais do que realizada, mas não no intelectual. Sou criativo, minha cabeça não para. Eu digo sempre que Deus nunca dá tudo para uma pessoa. Ele pode dar talento, mas tira a tranquilidade."

 

O empresário diz que não consegue dormir cedo, só a partir das duas ou duas e meia da madrugada. "Até minha poeira baixar, leva tempo. Quando não estou criando tenho sensação de vazio", diz Peres. "É preciso entender que na vida existem três situações: ser, ter e fazer. Para algumas pessoas o ser se identifica com o ter. Para outras, o ser se identifica com o fazer. Eu sou deste grupo. Eu não me sinto realizado se não estou fazendo". Até o fim do ano, a Multiplan, fundada por ele há 37 anos, inaugura três empreendimentos, com quase R$ 1 bilhão de investimentos. O grupo controla 14 shoppings no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Tem como logomarca um trevo de quatro folhas vermelho, símbolo de boa sorte e que combina com o lado místico de Peres.

 

A empresa tem crescido, com lucro. De 2010 para 2011, o resultado operacional líquido (NOI) - indicador de eficiência das administradoras de shoppings, que considera as receitas menos as despesas geradas pela operação dos empreendimentos - cresceu 20,2%. Saltou de R$ 424,8 milhões para R$ 510,8 milhões. E o lucro líquido subiu 36,5%, de R$ 218,4 milhões para R$ 298,2 milhões.

 

Praticamente toda a semana, o empresário voa no seu jatinho e visita shoppings da Multiplan país afora. Seus filhos são parceiros na empresa, mas diz que ele mesmo tem que ir ver, avaliar, sentir e pensar novidades. E, independentemente de onde o empreendimento esteja, sempre tem luxo: "Sou adepto da teoria do Joãosinho Trinta: quem gosta de pobreza é intelectual. O [shopping] de Campo Grande [zona oeste do Rio, com inauguração prevista para novembro] vai ser tão bonito como qualquer outro. Não faço shopping diferente porque a região é de menor renda", afirma.

 

Peres conta que a Multiplan lançou os cinemas multiplex no país. "Em Brasília havia um shopping em que o cinema estava fechando. Mesmo assim, eu resolvi instalar oito salas multiplex no Park Shopping [da Multiplan]. O dono do outro shopping apostou uma caixa de Dom Pérignon que em um ano eu fecharia os cinemas. Aceitei o desafio. Venci. Em um ano, 1,3 milhão de pessoas foram aos cinemas. Quando se oferece um produto de boa qualidade as pessoas compram."

 

Sergio Carvalho, criador da Ancar Ivanhoe Shoppings Centers, com 40 anos de trajetória e 22 empreendimentos no país, considera Peres um "visionário". Ele diz que acompanha a carreira do "concorrente" desde 1979, na inauguração do BH Shopping, o primeiro da Multiplan. "Ele construiu sozinho, em terreno grandioso, distante do centro. Visionário, mudou o eixo de crescimento da cidade para aquela região de Belo Horizonte", afirma. Vale lembrar que lá as pistas e viadutos de acesso formam um trevo de quatro folhas e dali nasceu a inspiração para a logomarca da companhia.

 

Carvalho destaca que, quando Peres decidiu construir um shopping no Rio, também optou por um bairro pouco adensado. A Barra da Tijuca, na época (1981), era pouco desenvolvida e com um fluxo de pessoas relativamente baixo. "Quando ele inaugurou uma das expansões do Barra Shopping, com um centro médico, ele disse: a pessoa nasce e vive no Barra Shopping. Só faltava construir um cemitério para ficar completo", diz Carvalho, com bom humor.

 

Peres é pragmático e lembra-se quando decidiu buscar áreas mais afastadas para investir. "Quando começamos, não tínhamos capital para comprar os terrenos mais caros e optamos por adquirir os mais distantes, onde seria o futuro das cidades", lembra.

 

Para Carvalho, da Ancar, Peres é "alguém que enxerga à frente e tem coragem de ousar. Sou de uma geração mais nova e José é uma inspiração. Somos concorrentes fraternais", afirma.

 

Há cinquenta anos, Peres tem na carteira uma mesma nota do tempo do cruzeiro. Bem conservada, é uma do montante que permitiu, em 1962, comprar um terreno no centro do Rio por 2 milhões de cruzeiros, onde ele realizou seu primeiro empreendimento e começou sua primeira empresa, a Veplan.

 

Lançou um edifício residencial com apartamentos de sala e quarto conjugados. Foram todos vendidos em 18 dias, conta ele. E, desde então, a nota ficou na carteira para "não esquecer como começamos e onde chegamos, sempre com um certo grau de ousadia." Diz que quando uma empresa torna-se grande, a tendência natural é correr menos.

 

O empresário não tinha um centavo sequer para colocar no negócio. Na época, era estudante de economia pela manhã e à tarde corretor de imóveis. Queria ganhar dinheiro para ajudar o pai a pagar as contas da família.

 

Quem comprou o terreno para construção do edifício foi um amigo, o cantor italiano Lídio Romano, companheiro da noite carioca e de pescarias. Peres cresceu entre Ipanema e Leblon e desde os tempos de garoto adora o mar, barcos e lanchas.

 

Romano pediu a Peres para vender o apartamento da mulher, na Avenida Delfim Moreira, no Leblon. Nos anos 60, a região já era valorizada, mas nem de longe como é hoje. Peres conseguiu um preço bem maior do que o amigo pedia. Vendeu para um então acionista da Brahma.

 

Com a venda, o amigo italiano comprou um novo apartamento, uma lancha e metade do controle da Litlle Club, uma das boates no Beco das Garrafas, em Copacabana, um dos berços da Bossa Nova. E sobrou dinheiro.

 

"Lídio veio me procurar perguntando o que poderia fazer com o que sobrou. Eu disse que eu tinha a ideia de comprar um terreno e fazer uma incorporação. Eu nunca tinha feito isso, mas achei que podia", afirma.

 

Peres preocupava-se com o pai. Achava que a mãe gastava além do que podia e o pai lutava para fazê-la feliz. Dona Sol era irmã de Abrahão Medina, fundador das lojas o Rei da Voz, do programa "Noite de Gala", com Flavio Cavalcante. Peres é primo do publicitário Roberto Medina, criador do Rock in Rio.

 

Ele conta que o pai ficou assustado quando ele mostrou a escritura do terreno e falou do projeto do edifício. "Ele me perguntou como eu iria pagar. Eu respondi: vou ficar com a dívida. Vou fazer o projeto, vender e pago. E ele me perguntou: 'E se não vender?' Eu respondi: vai vender. E vendemos tudo muito rápido."

 

Um ano depois, Peres fundou a incorporadora e promotora de vendas de imóveis Veplan Imobiliária. Três anos mais tarde, lançou o edifício Cidade do Rio de Janeiro, no centro do Rio, vendido em dois dias: "O primeiro da cidade com garagem mecânica", diz, orgulhoso.

 

Edson Bueno, controlador do grupo Amil, garante que é difícil encontrar um vendedor como "Zé Peres". "A sede da Amil ficava no centro do Rio. A equipe dele procurava a minha tentando nos convencer a comprar um prédio na Barra [da Tijuca], em um empreendimento dele. Não queríamos. Um dia ele foi tomar um café comigo e me convenceu em dez minutos. Fiz um ótimo negócio. Paguei R$ 15 milhões por um prédio avaliado hoje em R$ 100 milhões, tudo isso em menos de dez anos."

 

Bueno diz que se tornaram grandes amigos e a aproximação foi facilitada porque as mulheres de ambos já eram próximas. A de Edson Bueno, Solange, foi casada com Rubem Medina, primo de Peres. Por um bom tempo, um participou do conselho de administração das empresas do outro. A abertura de capital da Amil, em 2006, partiu da inspiração de Peres, que lançou um IPO da Veplan nos anos 70.

 

O apartamento onde Bueno mora é no condomínio construído pela subsidiária de empreendimentos imobiliários de Peres. Trata-se do luxuoso Golden Green, na praia da Barra da Tijuca.

 

Peres vendeu um apartamento no condomínio para Bueno, mas ele próprio não queria deixar a avenida Delfim Moreira, no Leblon, bairro onde morava desde jovem. Foi aí que Bueno convenceu o amigo a transferir-se para o prédio, na avenida Sernambetiba.

 

Peres afirma que é "o melhor condomínio residencial do país", com o mar diante de seus olhos, área verde, campo de golfe e privacidade. Seu grande prazer, além de criar shoppings, é passear de barco.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário