sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Os Covered Bonds vem aí!!

Por Alexandre Assolini Mota e Luis Peyser[1]

Há cerca de 2 anos se fala na possibilidade de emissão de Covered Bonds no âmbito do mercado brasileiro e que o mesmo poderia ajudar no aumento do funding do mercado de financiamento imobiliário. Nesta quarta-feira o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, mencionou entre os demais itens do pacote de estímulo, a criação das Letras Imobiliárias Garantidas. Os Covered Bonds chegaram!

Ao menos durante os últimos 5 (cinco) anos, os participantes do mercado nacional de financiamento imobiliário têm discutido como resolver a questão de aumentar o funding destinado a tais tipos de financiamento, sem que isso implicasse em um aumento dos percentuais de exigibilidade já existente nas regras do Conselho Monetário Nacional. Foi no âmbito de referidas discussões que se iniciou no Brasil o estudo e tentativa de implantar o título conhecido no exterior como Covered Bond imaginando-se que ele pode ser uma fonte de resolução da questão.

O Covered Bond é um título de emissão de instituição financeira e/ou de obrigação de instituição financeira que prevê pagamentos periódicos aos seus investidores, baseado no fluxo dos lastros de ativos segregados dos ativos do emissor e que geram para o investidor preferência na execução de tais ativos em caso de falência da instituição financeira emissora.

Os ativos segregados do balanço da emissora para formarem o lastro do covered bond são conhecidos no mercado como covered pool.

Na Europa cerca de 25 (vinte e cinco) países possuem legislação específica sobre Covered Bonds, incluindo a Alemanha (um dos primeiros países a autorizar tal tipo de estrutura, senão o primeiro), a França, o Reino Unido, a Espanha, entre outros e cera de 5 (cinco) países utilizam-se de estruturas contratuais apenas baseadas em regras gerais de direito contratual para a estruturação de tal tipo de operação. Na história mais recente, em 2011 a Austrália aprovou uma reforma em suas normas bancárias para autorizar a emissão de tal tipo de título também.

A estrutura jurídica de segregação dos ativos do balanço da instituição financeira emissora diverge entre os países, sendo as 3 (três) principais estruturas: (i) legislação específica prevê a exclusão dos ativos do covered pool do balanço da instituição financeira em caso de falência ou recuperação judicial; (ii) legislação específica prevê a preferência dos investidores aos ativos integrantes do covered pool em detrimento dos outros credores da instituição financeira; e (iii) transferência dos ativos integrantes do covered pool para uma sociedade de propósito específico.

Além da estrutura legal e contratual, existem outros aspectos que podem ser diferentes de acordo com a jurisdição de emissão do Covered Bond, como a coobrigação ou não da instituição financeira emissora (na maioria dos países a instituição financeira emissora é coobrigada com relação ao pagamento).

Outra diferenciação pode ser feita com base em determinadas regras para determinados tipos de ativos subjacentes do covered pool. Por exemplo, regras mais rígidas para ativos subjacentes que sejam decorrentes de financiamento a pessoas físicas para aquisição de imóvel; e regras menos rígidas para ativos subjacentes decorrentes do financiamento à construção para tomadores com rating de investment grade por agências de rating.

A última característica geral é que como premissa haverá um terceiro para realizar uma supervisão direta sobre os ativos do covered pool, sendo que as principais características de tal supervisão são: (i) ter um agente específico para tal supervisão, que geralmente é um órgão governamental, por vezes o próprio órgão fiscalizador do mercado financeiro, ou do mercado de capitais, ou os dois; (ii) auditorias periódicas realizadas por tal agente ou por agentes específicos que reportam ao referido órgão governamental; e (iii) gerenciamento e manutenção permanente do covered pool levando em consideração a insolvência da instituição financeira, e buscando atuar para que os investidores recebam seus retornos da forma e na época esperada.

Esta breve análise demonstra que não há critérios jurídicos exatos para definição do que é um covered bond, mas sim um conceito “Título de emissão e geralmente de obrigação de instituição financeira e que prevê uma preferência ao seu detentor sobre os ativos do covered pool em detrimento dos demais credores da referida instituição financeira”.

Sob o ponto de vista das instituições financeiras, a possibilidade de emissão de Covered Bonds pode gerar maior facilidade de geração de funding em 4 aspectos: (i) trata-se de uma nova forma de captação para as instituições financeiras diferentes das formas tradicionais e portanto poderá ser interessante para um tipo diferente e específico de investidores; (ii) o funding para covered bonds deveria ser mais barato já que o risco para o investidor tende a ser menor do que o risco de um investidor normal da instituição financeira; (iii) as operações tendem a ser de longo prazo e podem ajudar no descasamento entre ativos e passivos nos financiamentos de longo prazo; e (iv) geralmente o pagamento do principal acontece apenas no final em detrimento do pagamento de principal mês a mês, o que pode ser interessante para investidores como fundos de pensão, seguradoras, entre outras.

O detalhamento da regulamentação dos Covered Bonds que deverá ocorrer em breve será de extrema importância para a definição sobre quais benefícios efetivos as instituições financeiras terão e também qual o efetivo impacto na economia e no crescimento do funding para o mercado imobiliário.

O Brasil adotará regras próprias e que para sua final definição poderão utilizar-se do histórico e das melhores práticas já adotadas nos demais países. No detalhamento da regulação deverão ser abordados diversos temas, tais como (a) qual a efetiva senioridade do detentor das Letras Imobiliárias Garantidas em relação a todos demais credores da instituição financeira, incluindo os depositantes da caderneta de poupança, os credores trabalhistas e o próprio fisco em caso de falência da instituição financeira; (b) o que acontecerá com o FGC? (deverá ele manter a obrigação de indenizar os depositantes mesmo em caso de existência de grande monta no patrimônio separado destinado aos detentores do Covered Bond); (c) quais serão os critérios e condutas de gestão de risco para mitigar problemas com as trocas dos ativos integrantes do covered pool destinado ao Covered Bond?; e (d) deveriam ser criados diferentes Covered Bonds a depender do ativo lastro, para ao mínimo não misturar riscos, por exemplo residenciais com comerciais?

As respostas para tais perguntas ainda serão objeto de desenvolvimento pelos reguladores, mas a decisão sobre a criação do novo título divulgada nesta quarta-feira já é motivo de ânimo para o mercado. Que esse novo papel tenha o condão de auxiliar o mercado imobiliário brasileiro no seu contínuo crescimento e que seja mais uma fonte de recursos para auxiliar nosso setor produtivo a crescer.

 

Este Informativo foi preparado meramente para fins de informação, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. Direitos autorais reservados a Papi, Maximiano, Kawasaki, Assolini Advogados Associados.

 




[1] Alexandre Assolini Mota é sócio do PMKA Advogados e ex-Conselheiro Científico da Revista de Direito Imobiliário da Revista dos Tribunais e do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB, entre 2005 e 2006 e Vice Presidente da Câmara do Mercado Imobiliário da BM&FBovespa, mandato de 2014 a 2015.

Luis Peyser é sócio do PMKA Advogados e é fundador e ex-diretor executivo do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP entre 2004 e 2010.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário