quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Nem bolha, nem lucro

ValorInveste: Nem bolha, nem lucro

Por Sérgio Tauhata | Valor

 

SÃO PAULO - O crédito imobiliário vive o melhor momento de sua história no Brasil. Instituições financeiras, entidades de classe e o próprio Banco Central (BC) preveem que em pouco mais de quatro anos o volume emprestado para a compra de casas, apartamentos e espaços comerciais deve dobrar. No período, alcançará uma participação entre 10% e 12% do PIB, ante os atuais 6%. Apesar desse considerável incentivo, muitas dúvidas pairam sobre a valorização das propriedades. Especialistas ainda debatem a existência ou não de uma bolha no setor. Enquanto uns argumentam ter havido uma forte alta de preços não sustentada, proveniente de especulação, outros ponderam que a demanda reprimida, os recursos à disposição e a mais baixa taxa de juros desde 1996, data de criação da Selic, sustentam um novo patamar de valores.

 

O consumidor, em meio às avaliações conflitantes, assusta-se com a escalada de preços, as notícias de crise, a desaceleração da economia e a possibilidade de perda de valor dos imóveis, tanto em caso de estouro de uma eventual bolha, quanto por uma piora do cenário externo. Por outro lado, a queda da taxa Selic e a consequente diminuição dos retornos na renda fixa têm levado investidores a olhar com certa avidez para ativos imobiliários. Ao mesmo tempo, as condições atuais de crédito para o setor com juros baixos e prazos alongados, de até 35 anos dentro das regras do Sistema Financeiro da Habitação, estimulam as pessoas a trocar o aluguel pela casa própria. Mas, afinal, o que acontece com o mercado? Os dados mostram, na verdade, que pode haver uma mistura de vários cenários, tanto de bolhas localizadas prestes a esvaziar quanto de segmentos notadamente aquecidos.

De um modo geral, a demanda continua crescente, impactada por fatores positivos, como renda em alta, baixo desemprego, ampliação da classe média e mais recursos para financiamentos. O chefe-adjunto do Departamento de Normas do BC, Júlio Cesar Carneiro, considera inevitável a expansão do crédito imobiliário em termos de participação no PIB. “É uma questão de tempo”, diz. O especialista, no entanto, faz uma ressalva sobre a velocidade de crescimento, que “não deve continuar no mesmo ritmo”, mas manter uma taxa mais sustentável.

Em meio a ajustes após um crescimento muito rápido das grandes incorporadoras, o crédito imobiliário deve evoluir entre 15% e 20% em 2012, diz Octavio de Lazari Jr, da Abecip

 

Em 2012, o crédito imobiliário deve evoluir entre 15% e 20%, estima o presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Octavio de Lazari Jr. Comparado aos aumentos acima de 40% ao ano desde 2009, o resultado parece indicar um arrefecimento. Para Lazari Jr, no entanto, a taxa menor reflete a queda de lançamentos em meio a uma “arrumação de casa” de grandes incorporadoras, que cresceram de forma muito rápida. A Abecip vê, nos próximos anos, uma retomada da aceleração nos financiamentos para o setor.

Os números do mercado mostram que há muito ainda a ser conquistado. A Caixa Econômica Federal calcula uma demanda total de 9,3 milhões de unidades. O número inclui o déficit habitacional, que soma falta de moradias e edificações inadequadas, estimado pelo Ministério das Cidades em 6,3 milhões de unidades, e o potencial de consumo acrescentado pelas mudanças demográficas e socioeconômicas. Isso apenas no segmento residencial.

 

Comparar essa estimativa com o número de lançamentos da indústria da construção em 2011 pode fornecer uma ideia do que representa essa demanda potencial. De acordo com levantamento da Lopes Inteligência de Mercado, no ano passado incorporadoras colocaram no mercado 214 mil unidades, número que inclui residências, espaços comerciais e o segmento hoteleiro. Somadas a 264 mil unidades – a média anual das entregas do programa Minha Casa, Minha Vida –, resultam em apenas 5,1% da necessidade total calculada pela Caixa.

Um estudo sobre potencialidades do mercado imobiliário brasileiro, realizado pela consultoria Ernst Young & Terco, revela que até 2030 cerca de 2,5 milhões de novas famílias surgirão por ano no Brasil. Tanto para suprir o crescimento da demanda quanto reduzir o déficit habitacional, o relatório estima a necessidade de construção de 1,745 milhão de novas residências por ano, ou seja, triplicar o atual nível de entrega de casas e apartamentos.

Na avaliação do diretor do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), Mark Turnbull, o volume de lançamentos, embora tenha atingido patamares recordes nos últimos anos, tem conseguido suprir apenas o crescimento do mercado. “A procura vem se mantendo constante, mesmo com o aumento na quantidade de novos projetos”, afirma.

Novo patamar

A perspectiva de manutenção de demanda forte, embora com ritmo de crescimento mais lento, e o crédito incentivado indicam, para Júlio Cesar Carneiro, do BC, que os preços dos imóveis mudaram de patamar e não devem recuar. “As propriedades ficaram mais caras devido a uma transformação estrutural”, pondera.

 

O presidente da Federação Nacional dos Corretores de Imóveis (Fenaci), Carlos Alberto Schmitt de Azevedo, considera a alta dos últimos anos como “um movimento de adequação de valores, porque o mercado ficou estagnado durante duas décadas”. A gerente executiva da área de inteligência de mercado da Lopes, Christiane Crisci, compartilha a percepção. “Os bairros nas grandes cidades têm hoje uma nova moeda por metro quadrado”, explica.

Entretanto, a visão do professor Samy Dana, da Faculdade de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), segue na direção contrária. “Os preços superaram há muito o patamar de equilíbrio”, ressalta. Segundo o especialista, os valores elevados derrubam o retorno do investimento em imóveis de um modo geral. “Podemos fazer um cálculo simples: R$ 10 mil o metro quadrado significa que um apartamento de 100 metros quadrados vale R$ 1 milhão. Nesse patamar, o aluguel teria de alcançar R$ 6 mil para o retorno ser atrativo comparado a uma aplicação tradicional. Duvido que alguém consiga isso no mercado”, afirma.

 

O coordenador do núcleo de Real Estate da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), João da Rocha Lima Jr, também enxerga uma evolução especulativa dos valores imobiliários nas capitais. “Será que os preços estão justos? Do meu ponto de vista, não.” O pesquisador acredita que a onda recente de alta não tem nenhuma explicação estrutural, ou seja, trata-se de “margens crescentes e não de custos crescentes”.

O resultado desse movimento, segundo os especialistas, seria uma retração de preços em áreas onde houve mais especulação. Mas não necessariamente, em um primeiro momento, no mercado de compra e venda, e sim no retorno obtido com aluguel. “As taxas de juros podem se sustentar por um prazo longo, mas os aluguéis, não”, ressalva Rocha Lima Jr.

 

De acordo com Dana, da FGV, seja para moradia ou para renda, o retorno deve ser medido pelo aluguel. Isso porque, mesmo para uso próprio, o comprador substitui a locação pela mensalidade ou pelo custo de oportunidade. Segundo o especialista, a tendência é de queda do “yield”, ou seja, a taxa de retorno em relação ao valor investido no imóvel. “Na média, em São Paulo, já está em torno de 0,4% ao mês.” Nesse patamar, a rentabilidade nominal de 4,8% ao ano perderia da poupança, que paga atualmente, líquidos de Imposto de Renda, 5,25% ao ano.

Embora pareçam conflitantes, as visões dos acadêmicos e dos representantes do mercado podem ser complementares. Houve excessos e os preços seguem em desaceleração de alta desde o ano passado, sem, no entanto, cair efetivamente. Com isso, a margem para especulações praticamente se extinguiu. Mais complexos e menos líquidos, investimentos no setor passam a exigir avaliação ainda mais criteriosa.

Sem pressa

O advogado Eduardo Kolmar prefere esperar para comprar: “Em algum momento vai aparecer um bom desconto de alguém que queira vender logo”

 

Com o freio na disparada de preços, o comportamento dos compradores mudou. Eles passaram a planejar mais e a esperar o surgimento de oportunidades, em lugar de fechar negócio rapidamente para evitar o risco de um aumento de uma semana para outra. A experiência do advogado Eduardo Kolmar, de 31 anos, executivo de uma empresa de seguros, ilustra essa transformação. Ele procura há meses um apartamento no Rio de Janeiro. Com um histórico de investimentos em fundos e na bolsa de valores, decidiu direcionar parte de suas aplicações ao mercado imobiliário, motivado pela queda de juros. Indagado sobre prazos, entretanto, é categórico: “não tenho pressa”.

 

Embora reúna recursos consideráveis para a aquisição – pretende investir até R$ 1 milhão na nova moradia, preferencialmente um apartamento de dois ou três quartos –, Kolmar enfrenta uma busca árdua. Morador do bairro da Urca, ele tem concentrado sua pesquisa na zona sul carioca. Mas os preços assustam. “Hoje, qualquer imóvel destruído vale R$ 1 milhão”, afirma. Em sua opinião, os valores alcançaram um teto, o que limita um eventual ganho com valorização. Por isso, tem pouca urgência em fechar negócio. Munido de paciência e disciplina, garimpa constantemente oportunidades. “Em algum momento vai aparecer um bom desconto, por exemplo, de alguém que queira vender rápido”, diz.

A mudança de estratégia se traduz também em uma menor liquidez no mercado. “Existe hoje uma reprecificação da liquidez, com muita gente abrindo mão dela em busca de oportunidades mais vantajosas”, diz o sócio da gestora de recursos GPS/Pulsar, José Eduardo Martins. Para o especialista, os investidores têm incorporado uma visão de prazo mais longo na área imobiliária, com objetivos focados em renda e proteção contra inflação.

Para entender os rumos do mercado, no entanto, é preciso conhecer os fatores que influenciam os diferentes nichos do setor. Mudanças demográficas e socioeconômicas, por exemplo, têm sido determinantes para manter aquecidos os segmentos de habitação popular e de unidades compactas, com um ou dois dormitórios.

Por outro lado, o mapa de entrega de obras iniciadas dois a três anos atrás indica uma oferta excessiva de pequenos espaços comerciais e escritórios em algumas regiões das capitais, o que aumenta a vacância, ou seja, o tempo durante o qual a propriedade fica vazia, e pode até mesmo derrubar preços nessas áreas. “Não é verdade que o preço dos imóveis sempre tem de subir. A visão de investimento tem de ser feita sempre com muito cuidado, pois há praças já com mudança na tendência”, afirma o coordenador da pesquisa do índice de preços do mercado imobiliário Fipe/Zap, Eduardo Zylberstajn.

 

Segundo o diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), Luiz Paulo Pompéia, haverá um problema de liquidez dos pequenos conjuntos comerciais, de 25 m2 a 70 m2, em regiões da Grande São Paulo onde houve excesso de lançamentos (veja quadro ao lado). “Vão começar a sobrar salas, porque não tem demanda”, afirma.

Na análise de Pompéia a partir de dados da Embraesp, há desde polos comerciais tradicionais, como Alphaville e Brooklin, a bairros residenciais, entre os quais Santana e Pinheiros, com excesso de oferta de espaços destinados a pequenas empresas e profissionais liberais. “A valorização em anos anteriores incentivou lançamentos com critérios discutíveis”, explica. De fato, segundo levantamento do grupo imobiliário internacional Jones Lang LaSalle, em junho, a taxa de vacância em Alphaville alcançava 47%, ou quatro vezes a média da capital paulista, de 11,9%.

Migração

A valorização dos bairros nobres de São Paulo e a falta de terrenos já incentivam a migração de lançamentos para municípios no entorno da metrópole. Pesquisa do Secovi-SP mostra que, em julho, as vendas de imóveis residenciais novos na capital paulista tiveram variação negativa de 8,5% comparado a junho. No entanto, as outras 38 cidades da região metropolitana registraram um aumento de 149,2% na comercialização de unidades.

Os preços altos e a demografia também têm feito as incorporadoras apostarem nas chamadas unidades compactas, nas quais o espaço diminui para o preço caber no bolso dos compradores. Esses projetos procuram compensar um eventual aperto com localização privilegiada e muitos serviços. “Na cidade de São Paulo, a demanda por apartamentos pequenos vem se acentuando”, diz o CEO da incorporadora Vitacon, Alexandre Lafer Frankel.

A companhia, que atua no segmento, aposta na mobilidade e na localização como principais chamarizes, em contrapartida ao tamanho menor das unidades. Na avaliação de Frankel, há um público crescente de solteiros, casais recém-formados, divorciados e pessoas mais jovens com acesso a financiamento. São grupos que trocam o espaço pelas facilidades de estar em uma região com melhor estrutura, acesso fácil a transportes e serviços diferenciados no condomínio. “Quem quiser morar em casas ou apartamentos maiores terá de migrar para as regiões periféricas, onde o preço por metro quadrado ainda é menor.”

O empresário Amir Makansi criou uma regra própria para investir em imóveis: o retorno com aluguel deve ser superior a 0,6% ao mês

 

Para escolher um imóvel como investimento, deve-se avaliar o perfil dos empreendimentos e a adequação aos bairros. Localização é um dos fatores que mais pesam para o empresário Amir Makansi, de 52 anos. Estar em uma das regiões mais nobres da capital paulista, nos Jardins, foi decisivo para sua aquisição mais recente, um apartamento de 42 m2, que pretende alugar. “Esse tipo de condomínio com vários itens de lazer e localização privilegiada é um produto muito procurado”, diz.

A experiência de Makansi mostra que aplicar em imóveis pode ser uma alternativa à diminuição de rendimento com a queda da Selic. O empresário afirma conseguir retornos de 0,8% e 1% ao mês em relação ao valor investido em duas propriedades – uma casa de 600 m2 e um apartamento de 84 m2 – ambas na Vila Nova Conceição, um dos bairros mais valorizados da capital paulista. “Se o empreendimento acerta a mão, está perto de centros comerciais e de uma gama diversificada de serviços, a demanda está garantida”, afirma Makansi.

O investidor explica que, para ser um negócio atrativo, o retorno com aluguel deve se situar acima de 0,6% ao mês. Caso contrário, não faz sentido, porque a rentabilidade perde de aplicações tradicionais, como a poupança ou um fundo DI. Makansi aconselha o interessado a definir antes o valor máximo de compra, ou seja, determinar o “yield” mensal desejado com a locação, por exemplo, 0,7% sobre o valor da operação. Depois, é só calcular o preço correspondente a esse ganho, dentro do praticado pelo mercado na região.

Nichos

No segmento comercial, tradicionalmente o mais procurado por investidores, os vários nichos têm apresentado comportamentos divergentes entre si. Se, com o fim da janela especulativa, algumas regiões podem sofrer com o excesso de oferta de pequenos espaços, as lajes corporativas ainda mostram fôlego, com oferta menor que a demanda.

 

Levantamento da Vitacon revela que edificações voltadas a empresas ainda têm um grande potencial de valorização se comparadas a outros países. O estudo indica que o preço médio do metro quadrado comercial em São Paulo, por exemplo, representa apenas 40% do praticado em Nova York. No Rio de Janeiro, onde houve valorização mais acentuada, o custo alcança 60% daquele existente na cidade norte-americana. 

Do mesmo modo, o mercado de locação comercial, especialmente na capital fluminense, mantém-se aquecido nos últimos três anos. “A cidade vem se transformando com uma série de investimentos públicos e privados, como o Porto Maravilha, no centro, e as obras de mobilidade para a Copa do Mundo e a Olimpíada”, explica o vice-presidente do Secovi-RJ, Leonardo Schneider.

Os bairros mais valorizados apresentam hoje os preços por metro quadrado mais altos do país: alcançam, por exemplo, picos de R$ 33 mil em Ipanema e R$ 27 mil no Leblon. Este custo excessivo incentiva a demanda por aluguel nessas regiões. O resultado é uma baixa taxa de vacância, calculada pela Jones Lang LaSalle em 7,9% em junho.

“Com Olimpíada e Copa, houve um alinhamento das esferas federal, estadual e municipal para ‘consertar’ a cidade, com investimentos em transporte e em segurança pública, como as UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora] nas favelas”, explica o vice-presidente do Secovi-RJ. As UPPs recuperaram para o mercado imobiliário áreas antes degradadas pela violência. De acordo com Schneider, as construtoras passam a lançar empreendimentos nessas regiões “esquecidas”, como bairros da zona norte carioca.

A primeira pacificação aconteceu em novembro de 2008, com a ocupação do morro Santa Marta, em Botafogo. Desde então, houve mais 20 unidades instaladas em favelas como o Complexo do Alemão e a Rocinha. De acordo com o Secovi-RJ, as UPPs também ajudam a valorizar bairros vizinhos às comunidades. Dados da entidade mostram que os imóveis em Botafogo valorizaram-se mais de 105%, de 2008 a 2011. “Na média, há um impacto positivo de 30% a 40% nas áreas que fazem divisa com as regiões ocupadas”, ressalta Schneider. Mais um sinal de que vale redobrar a atenção para identificar os diferentes cenários que convivem hoje no mercado.

http://www.valor.com.br/especiais/2868000/valorinveste-nem-bolha-nem-lucro#ixzz29ZQZXqmD

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário