segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Advogados tentam evitar desapropriações 'a jato'

FOLHA DE S. PAULO - COTIDIANO - 29.9.12

 

 

 

 

Uma decisão do governo paulista de ir ao STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar acelerar o processo de desapropriações por utilidade pública vem mobilizando advogados e entidades jurídicas.

Se for julgada procedente, a ação fará valer uma lei de 1941 que permite ao Estado alegar urgência e tomar posse de imóveis não residenciais depositando na hora apenas o valor venal do local -em geral, abaixo do de mercado-, sem perícia prévia.

Se, ao fim do processo, a Justiça determinar que o imóvel vale mais, esse débito entra na fila dos precatórios do Estado -e aí, segundo especialistas, o ex-proprietário pode contar com uma espera média de dez anos para receber.

Para advogados, a medida fere o direito dos proprietários.

"É um retrocesso muito grande e vai acabar resultando num aumento da dívida judicial do Estado", critica Marco Antônio Innocenti, vice-presidente da Comissão de Dívida Pública da OAB-SP, para quem a entidade deve ingressar no processo como "amicus curiae" (interessada na causa).

Atualmente, o entendimento da Justiça paulista tem sido de que o governo só pode tomar posse do local depois que o imóvel for avaliado por um perito judicial, que determina o valor de mercado, e do depósito dessa quantia em juízo.

Para o Estado, esse processo é lento e atrasa obras urgentes, como a construção de presídios. "Nosso problema não é pagar menos ou mais [pelos imóveis]", diz o procurador-geral do Estado, Elival da Silva Ramos. "Nosso problema é ter a imissão rápida na posse."

Opinião diferente tem Fabio Lousada Gouvêa, do escritório Gouvêa Advogados, que deu início a uma campanha na internet contra a ação. "O que atrasa não é o procedimento jurídico, é a insistência do Estado em não pagar."

Ele diz que o escritório protocolou na OAB nacional um pedido de acompanhamento do caso e pediu a formação de uma comissão na OAB-SP "para fazer frente a essa posição".

A Associação dos Advogados de São Paulo também se mobilizou e pediu ao STF para acompanhar o processo.

ATRASOS

Gustavo Justino de Oliveira, professor de direito administrativo da USP, concorda que avaliações judiciais em todos os casos podem atrasar obras, mas diz que parte desse atraso é culpa do governo. "As desapropriações são várias e o Estado não faz planejamento."

Marcos Serra Fioravanti, do escritório Siqueira Castro Advogados, diz que o argumento do Estado é compreensível, mas vê problemas em generalizar o procedimento.

"Ninguém em sã consciência quer atravancar o avanço do progresso ou do metrô, mas não se pode simplesmente abandonar a avaliação prévia."

Estado afirma que avaliação prévia atrasa as obras

O procurador-geral do Estado, Elival da Silva Ramos, diz que "não há fundamento" nas críticas à ação do governo impetrada no STF (Supremo Tribunal Federal).

"O que eles [os críticos] estão querendo dizer é que, com isso, o Estado quer pagar menos pelos imóveis. Na verdade, não é pagar menos. O que nós queremos é ter um critério qualquer que permita uma imissão rápida na posse sem precisar fazer uma antecipação da perícia [judicial]", diz.

Segundo o procurador-geral, o Tribunal de Justiça paulista vinha pedindo perícia prévia (para determinar o valor de mercado do imóvel) em todos os casos de imissão de posse, o que atrasa as ações e o andamento de obras.

O que o Estado propõe, diz, é acelerar esse processo: depositar o valor venal (com base em valores usados para o IPTU), sem precisar fazer perícia, tomar posse em seguida e, depois, ao longo do processo, uma avaliação judicial definiria o valor de mercado.

"Nós não podemos ver o deficit prisional aumentar e não poder entrar na posse de imóveis que já foram declarados de utilidade pública."

PONTOS PRINCIPAIS

Para conseguir mudar o trâmite, a ação no STF se baseia em dois pontos principais: pede que seja considerado constitucional o artigo 15 da lei de desapropriações, de 1941, o que permitiria a dispensa de avaliação prévia dos imóveis não residenciais; e que seja suspensa uma súmula do TJ que diz justamente o contrário -que sempre cabe perícia antes da posse.

Caso seja julgada procedente, a ação também suspenderá todas as decisões em contrário do TJ paulista. Além disso, valerá para todo o país.

Sobre o questionamento de que a mudança aumentaria a dívida judicial do Estado -já que a diferença sobre quanto vale o imóvel, apurada ao fim do processo, se transformaria em precatório-, ele afirma que as dívidas de precatórios por parte do Estado estão sob controle.

Após perícia, valor de imóvel aumenta R$ 17 mi

Um imóvel na lista de desapropriações do Metrô passou a valer, após perícia na Justiça, quase R$ 17 milhões a mais do que foi ofertado por ele -e é um exemplo das variações entre o valor venal oferecido por quem desapropria e o que é determinado após perícia judicial.

O local, que abrigava um motel e fica na avenida Professor Luiz Ignácio de Anhaia Mello, na zona leste de São Paulo, recebeu uma proposta de R$ 5,8 milhões por parte do Metrô. O valor foi contestado pelos donos, e a Justiça determinou uma perícia.

Após a avaliação, o valor a ser pago pelo imóvel subiu para R$ 22,6 milhões.

"O proprietário do imóvel, quando recebeu a citação da ação, quase entrou em depressão", afirma o advogado dos donos, Ricardo Trotta, sobre o montante oferecido, baseado em valores usados pela prefeitura para calcular o IPTU. "Já a perícia considera valores de mercado."

A sentença, de primeira instância, foi publicada na semana passada. Cabe recurso.

"O que precisa ver é se essa perícia vai ser confirmada no final. Quando você tem uma perícia que dá uma diferença grande, provavelmente tem recursos", afirma o procurador-geral do Estado, Elival da Silva Ramos.

CAROLINA LEAL
DE SÃO PAULO

BRUNO BENEVIDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

 

 

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