quarta-feira, 13 de maio de 2015

É preciso evoluir a regulação além dos bancos, diz Volcker

É preciso evoluir a regulação além dos bancos, diz Volcker | Valor Econômico

É preciso evoluir a regulação além dos bancos, diz Volcker

Chris McGrath / Getty ImagesVolcker: "Próxima crise provavelmente ocorrerá por problemas regulatórios diferentes. O desafio é estar alerta às mudanças"

Um dos economistas mais engajados no debate sobre regulação do sistema financeiro, Paul Volcker ainda não está satisfeito com o grau de supervisão adotado. Quase sete anos após a crise, o ex-presidente do Federal Reserve (Fed) reconhece que os bancos estão mais fortalecidos, mas demonstra preocupação com as instituições financeiras que estão fora desse escopo.

"O grande desafio é desenvolver controles que vão além do sistema bancário", disse Volcker em entrevista exclusiva ao Valor, na qual exigiu que política monetária não estivesse entre os assuntos discutidos. "Vamos falar de regulação", disse ele logo após atender o telefone.

Entre 1979 e 1987, quando presidiu o banco central americano sob os governos de Jimmy Carter e Ronald Reagan, a principal tarefa de Volcker era controlar a inflação altíssima, que rodava no patamar de dois dígitos. Agora que o problema americano é o oposto, ele prefere não dar conselhos aos responsáveis pela política monetária. Sobre macroeconomia, o economista limitou-se a dizer que os Estados Unidos estão avançando e que o crescimento global provavelmente ficará, por um tempo, mais fraco que antes.

Em respostas curtas, Volcker evitou desenhar cenários prospectivos para a economia e a saúde dos mercados financeiros, mas sinalizou que a regulação do sistema financeiro não-bancário ("shadow banking") é algo que deve estar na pauta das autoridades. "A próxima crise provavelmente ocorrerá por problemas regulatórios diferentes. O desafio é estar alerta às mudanças do mercado e exercitar as restrições apropriadas quando as pressões especulativas crescerem demais", disse o economista de seu escritório em Nova York.

Entre as atribuições e cargos honorários que carrega, o ex-presidente do Fed, que está com 87 anos, chefia o Volcker Alliance, instituto que criou em 2013 com o objetivo de contribuir para a "execução efetiva das políticas públicas e reconstruir a confiança pública no governo". No fim de abril, esse órgão publicou um artigo em que sugere que o sistema regulatório dos EUA seja simplificado, extinguindo o Office of the Comptroller of the Currency (OCC) - órgão independente ligado ao Tesouro que supervisiona e regula os bancos no país - e fundindo a Securities and Exchange Commission (SEC) e a Commodity Futures Trading Commission (CFTC).

Além de presidir o Fed, Volcker foi o principal conselheiro econômico de Barack Obama entre 2009 e 2011. Antes disso, foi presidente do Fed de NY, economista do Chase Manhattan Bank e passou por diversas instituições públicas e privadas. Estudou em Princeton, Harvard e London School of Economics.

Valor: Como a regulação bancária evoluiu desde a crise? Em que pontos ainda há fragilidades?

Paul Volcker: Houve muitas mudanças no mundo da regulação desde a crise. Há duas principais. Uma é o fortalecimento do sistema bancário em diversos países ao redor do mundo, com mais capital, em especial. Houve algumas restrições sobre o que os bancos podem fazer para evitar alguns excessos e especulações. A outra área é particularmente importante nos EUA, mas em outros países também. Muito do sistema financeiro agora acontece fora do sistema bancário. Tivemos uma evolução da abordagem para supervisionar o sistema financeiro não-bancário, que antes era negligenciado. Fim da história.

Valor: Boa parte das atividades financeiras está sendo feita por instituições não-bancárias, incluindo as operações de maior risco. Como a regulação deve lidar com a expansão do "shadow banking"?

Volcker: Isso é um desafio, claro. Nos EUA, os bancos eram há 20 ou 30 anos, quando eu estava diretamente envolvido, 70% do mercado, e hoje os bancos são por volta de 30% e as instituições não-bancárias são 70%. Houve uma espécie de reversão. O desafio é ver onde as evoluções estão se desestabilizando. Foi o que aconteceu antes da crise, quando a grande seguradora AIG teve problemas não em seu negócio de seguradoras, mas em negociação de derivativos. E não houve supervisão ou controle disso. Isso é apenas um exemplo de que devemos supervisionar uma área maior do que a que olhamos historicamente. É uma área difícil.

Valor: O Volcker Alliance recentemente propôs uma simplificação do sistema regulatório nos EUA. Quais são os principais benefícios da consolidação?

Volcker: O desafio é desenvolver controles que vão além do sistema bancário. O exemplo do AIG que mencionei é o exemplo clássico em que houve extrapolação dos controles que tínhamos na época. Fomos tecnicamente supervisionados por uma agência reguladora muito fraca que realmente não entendeu sua responsabilidade ou não fez nada. Toda a alta do "subprime", um dos elementos do coração da crise, ocorreu basicamente fora da regulação do sistema bancário e eventualmente entrou no sistema bancário, mas começou fora, com a regulação fraca. Tivemos esses dois problemas de derivativos e hipotecas muito importantes na crise que não estavam sujeitos à supervisão adequada.

Valor: Onde estão os maiores riscos agora?

Volcker: Agora, os próximos problemas podem surgir em outras áreas. Alguns estão preocupados, com razão, com o volume de empréstimos em dólares para economias emergentes. Quando o dólar se fortalecer muito - os incentivos aos empréstimos estavam muito bons -, mas quando as condições mudarem, isso criará problema. Eu espero que não, mas é um perigo em potencial.

Valor: Como a regulação mais apertada nos países desenvolvidos afeta a atuação das subsidiárias desses bancos em outros países, como os emergentes?

Volcker: Eu acho que não é prejudicial. Espero que os bancos nos países emergentes consigam continuar a fazer empréstimos, dar apoio ao mercado de bônus organizando emissões de bônus e todo o resto. Não é do interesse das economias emergentes, particularmente da América Latina, repetir o que aconteceu no fim dos anos 70, quando o dinheiro estava muito fácil e, no início dos anos 80, todos esses países ficaram muito endividados e os bancos foram muito agressivos em emprestar para esses países. Por um momento, os bancos e os países gostaram, mas acabaram em uma grande crise. É isso que estamos tentando evitar no futuro.

Valor: Como o sr. avalia a maturidade do sistema regulatório dos países emergentes?

Volcker: Ao redor do mundo, em geral, tanto nos emergentes quanto nos desenvolvidos, o grande choque da crise financeira forçou uma reavaliação e acho que há mais disciplina e regulação. Espero que isso seja verdade, acredito que seja verdade.

Valor: Alguns países apertaram mais a regulação que outros, isso cria espaço para arbitragem regulatória? O HSBC afirmou recentemente que poderia mudar sua sede para fora do Reino Unido por conta da regulação mais severa no país.

Volcker: Arbitragem regulatória sempre foi um problema historicamente, com as instituições financeiras se movendo de uma autoridade regulatória para outra. Nessa questão, é um grande desafio lidar com as características do sistema antigo, o qual acreditamos que poderia ser mudado e modernizado. Mas isso é um assunto muito, muito desafiador.

Valor: Entre quais sistemas há mais espaço para arbitragem hoje?

Volcker: Eu não sei o que vai acontecer ou não no Reino Unido. Há um esforço entre os supervisores e reguladores para haver melhor coordenação internacional. Eu não acho que o banco que você está falando ganhará muito saindo do Reino Unido. Eles podem mudar sua sede ou não, eu sou cético, mas se fizerem isso, a operação permanecerá principalmente em Londres ou em Nova York ou em algum outro lugar do mundo.

Valor: O CEO do J.P. Morgan lamentou o fato de o banco estar pagando multas a diversos reguladores pela mesma questão e disse que isso exige um debate político. Isso pode ser um sinal de que os grandes bancos apoiam a consolidação dos órgãos reguladores?

Volcker: Espero que sim. Qual banco falou isso?

Valor: O CEO do J.P. Morgan, Jamie Dimon.

Volcker: Ah, sim. Eles reclamam disso e o que vemos é que temos um sistema regulatório inflado e nossas propostas buscam lidar com esse problema. Mas vamos ver se os bancos, por eles mesmos, estão ansiosos para ver essas mudanças acontecerem. Acho que um sistema mais eficiente, simples e racional receberia apoio, mas vamos ver.

Valor: Líderes republicanos estão tentando adiar a implementação da Regra de Volcker para 2019. O senhor se preocupa com essa pressão dos republicanos para sempre adiar a efetividade da regra?

Volcker: Não acho que haja riscos vindos desse adiamento. Já está basicamente efetivo, em algumas partes a implementação pode ser adiada, os bancos estão sempre empurrando contra certas partes da regulação e da supervisão, isso é uma parte, mas gostaria que não fosse adiado, não acho que há uma boa racionalidade, mas não acho que isso prejudica a eficácia da lei.

Valor: Se os reguladores demorarem muito para lidar com os problemas que deram espaço à última crise, há risco de que essas falhas voltem a causar estragos?

Volcker: A próxima crise provavelmente ocorrerá por problemas regulatórios diferentes. O desafio é estar alerta às mudanças do mercado e exercitar as restrições apropriadas quando as pressões especulativas crescerem demais.

Valor: Que novos problemas regulatórios podemos enfrentar?

Volcker: Acho que eu não vou tentar sugerir alguma coisa. Provavelmente estaria errado. Isso é muito complicado.

Valor: O crescimento do "shadow banking" poderia ser uma dessas fontes de instabilidade?

Volcker: Acho que estamos prestes a terminar [a entrevista].

Valor: Há tempo para uma última pergunta?

Volcker: Me faça a pergunta e eu posso responder ou não (risos).

Valor: As políticas não-convencionais empregadas pelos grandes bancos centrais serão capazes de superar o período de baixo crescimento e baixa inflação pelo qual passam as grandes economias?

Volcker: Essa é uma pergunta ampla que não posso responder agora, mas acho que a economia global está em um ritmo de crescimento menor que o que tínhamos antes por uma série de questões. Mas a economia global está crescendo, os EUA estão crescendo e acho que estamos nos aproximando de um desempenho satisfatório com o tempo. Provavelmente por um tempo mais lento do que estávamos acostumados.



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