quarta-feira, 30 de abril de 2014

O cobiçado 'triple A' não é mais aquele - e ninguém se importa

O cobiçado 'triple A' não é mais aquele - e ninguém se importa

Antes cobiçada e alardeada por mais de 60 empresas e subsidiárias em 1980, a classificação de crédito AAA, uma espécie de medalha de ouro, quase desapareceu das empresas americanas.

Apenas três delas - Microsoft Corp., Johnson & Johnson e Exxon Mobil Corp. - conservam hoje essa distinção, o menor número já registrado. E quem se importa?

Não Jan Siegmund, diretor financeiro da Automatic Data Processing Inc. A processadora de folha de pagamento perdeu a classificação mais alta em 10 de abril ao anunciar planos de desmembrar sua divisão de serviços a revendedoras, focada em marketing para concessionárias e fabricantes de automóveis.

Os acionistas da ADP também não parecem se importar. Desde que a empresa perdeu a classificação AAA, a ação dela subiu 0,6%. A ADP não tem títulos de dívida vencidos. "Não houve nenhuma consequência negativa", diz Siegmund. "Julgamos que AA é uma classificação perfeitamente satisfatória."

O declínio nas classificações AAA reflete uma mudança de atitude de empresas e investidores quanto ao valor, o custo e o risco dos títulos de dívida. Níveis historicamente baixos das taxas de juros e do crescimento econômico fizeram os investidores partir em busca de rendimentos mais altos e diminuíram o medo da inadimplência. Isso levou a um rebaixamento contínuo das classificações de crédito. De fato, 81% das empresas classificadas em 2013 receberam nota B da Standard & Poor's, classificação que os investidores chamam de "alto risco".

Nesse contexto, os investidores veem uma diferença insignificante entre os dois primeiros níveis da escala de classificação e negociam com os papéis dos dois tipos como se tivessem risco quase igual. Assim, agora há mais analistas e investidores dizendo que os acionistas de empresas com classificação AAA estão, na verdade, pagando por um privilégio que oferece poucas vantagens em troca.

"É uma boa pergunta que qualquer diretor-presidente e diretor financeiro responsável deve considerar: Será que vale a pena ter uma classificação AAA?", diz Mark Puccia, diretor administrativo da S&P, um das agências de classificação que rebaixaram a nota da ADP.

As agências S&P, Moody's Investors Service e Fitch Ratings classificam as empresas segundo a capacidade delas de pagar suas dívidas - e cobram por isso.

As empresas com classificação mais alta mostram algumas qualidades distintas, como endividamento baixo, fluxo de caixa gordo, margens de lucro altas, marcas fortes e posições de liderança em seus setores, diz Daniel Gates, diretor administrativo da Moody's.

Em teoria, isso deveria tornar os empréstimos muito mais baratos para as empresas AAA. Só que o mercado não está tratando as empresas dessa forma.

A Microsoft vendeu US$ 450 milhões em títulos de dívida de cinco anos em abril de 2013, com um rendimento de 0,32 ponto percentual ao ano acima do das notas do Tesouro americano (as Treasury). Menos de uma semana depois, a Apple Inc., classificada como AA+, emitiu US$ 4 bilhões em títulos de cinco anos com um rendimento apenas ligeiramente superior, de 0,40 ponto percentual. Em ambos os papéis, os prêmios sobre os juros de referência foram dos mais baixos já pagos numa emissão de dívida de empresa.

Em 22 de abril, os títulos emitidos por empresas com classificação AA estavam sendo negociados com juros apenas 0,05 ponto percentual acima dos pagos por títulos AAA, segundo o Barclays.

É verdade que o aumento geral do risco pode se tornar um problema no caso de outra crise financeira. Após o colapso do banco Lehman Brothers, os investidores, em particular, aprenderam a gostar de títulos de longo prazo com classificação AAA. No auge da crise financeira, em abril de 2009, o spread entre as taxas dos títulos AAA e AA avançou para 1,93 ponto percentual, o maior desde 1998.

Jesse Fogarty, gerente de portfólio da Cutwater Asset Management, diz que a dívida empresarial AAA é uma das poucas coisas que podem ser vendidas em épocas de turbulência financeira, sendo útil se o investidor necessita fazer caixa rapidamente.

"Se você realmente precisar aumentar a liquidez, um título Johnson & Johnson AAA seria uma das melhores coisas que você teria para poder fazer isso", diz Fogarty, cuja empresa administra US$ 25 bilhões, sobretudo para fundos de pensão e seguradoras. "Muitas vezes, em períodos de estresse, você não vende o que você quer vender, mas sim o que você consegue vender. Esses são o tipo de ativo a que você poderia recorrer."

Um porta-voz da Johnson & Johnson disse que a empresa gosta da classificação de crédito mais alta, uma vez que dá "maior flexibilidade para administrar nossa empresa, acesso praticamente ilimitado aos mercados de capital e as taxas de juros mais favoráveis para financiar nossos negócios".

A farmacêutica vendeu US$ 900 milhões em títulos de dez anos em junho de 2008, quando os mercados financeiros estavam em crise, e conseguiu um prêmio de 1,03 ponto percentual em relação a títulos comparáveis do Tesouro. Por outro lado, a PepsiCo Inc., que recebeu nota Aa2 da Moody's, vendeu US$ 1,75 bilhão em títulos apenas um mês antes, com um prêmio de 1,25 ponto percentual.

Manter a classificação mais elevada é um objetivo potencialmente caro para as próprias empresas, diz Joe Mayo, diretor de pesquisa de crédito empresarial na Conning Inc., que administra mais de US$ 85 bilhões em ativos, principalmente para seguradoras. "O benefício para elas em termos de redução do custo dos empréstimos não é tão significativo", diz ele.

Analistas argumentam que as empresas com um balanço imaculado estão penalizando seus acionistas ao não tomar empréstimos.

As empresas de classificação mais alta poderiam aumentar o retorno aos acionistas acrescentando um pouco mais de dívida aos seus balanços e devolvendo esse dinheiro aos acionistas, diz Martin Fridson, diretor de investimentos da consultoria Lehmann, Livian, Fridson Advisors LLC.

A Microsoft, por exemplo, poderia aumentar seus lucros por ação em 10% se emprestasse mais US$ 5 bilhões para expandir seu programa de recompra de ações, diz Chris Hickey, analista da Atlantic Equities. A empresa de software divulgou lucro por ação de US$ 2,58 no ano passado.

"Não creio que um AAA, em contraste com AA, seja significativo para os investidores em ações", diz Hickey.

Um porta-voz da Microsoft não quis falar sobre a classificação de crédito, mas disse que a empresa tomou emprestado quase US$ 25 bilhões no mercado de títulos desde 2009 e retornou US$ 189 bilhões aos acionistas por meio de dividendos e recompra de ações ao longo dos últimos anos.

Siegmund, diretor financeiro da ADP, lembra que a classificação AAA antes tinha algum peso. De fato, seus vendedores a utilizavam como um "elemento de prestígio" ao abordar novos clientes.

Mas agora que a empresa caiu para a nota AA e os clientes e investidores nem reagiram, ela se contenta em deixar as coisas como estão. "Nós com certeza não estamos fazendo lobby para uma volta ao AAA", diz Siegmund. "Estamos muito felizes com a nossa classificação de hoje." (Colaborou John Kester)

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