quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Poupança de cinto apertado

Poupança de cinto apertado | Valor Econômico

Poupança de cinto apertado

A poupança tem sido pressionada por todos os lados neste ano. E até meados de 2016 há nenhuma luz no fim do túnel para reverter um quadro que tem se materializado em saídas recordes de recursos - até setembro a tradicional caderneta acumulava retirada líquida de R$ 53,8 bilhões.

Juros elevados, inflação alta, perda do poder de consumo, recessão e aumento do desemprego desidratam cada vez mais a atratividade da poupança e a capacidade dos poupadores em aportar recursos. O cenário sombrio parece ter afetado sobretudo os clientes da caderneta com menos recursos depositados.

Segundo o mais recente censo semestral do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), a faixa mais numerosa de clientes, aqueles com até R$ 1 mil em recursos na poupança aumentou em 4,6 milhões de pessoas, ou seja, de 99 milhões em dezembro de 2014 para 103,6 milhões em junho deste ano. No entanto, apesar do crescimento na quantidade, a participação do grupo no montante total de depósitos, em termos percentuais, manteve-se a ligeiramente abaixo dos seis meses anteriores, em 1,68% ante 1,71%.

O dado indica ter ocorrido uma migração de poupadores de faixas superiores de depósitos para a base da pirâmide. A quantidade de clientes a mais entre aqueles com menores recursos representa o dobro do acréscimo total de 2,3 milhões de poupadores no sistema até junho, conforme os dados do FGC.

A faixa imediatamente superior de clientes, com depósitos de R$ 1 mil até R$ 10 mil, registrou uma diminuição de 2 milhões de poupadores. Em termos percentuais, a participação desse grupo no total de recursos em conta do sistema recuou de 13,4% para 12,8% entre o último semestre do ano passado e o primeiro de 2015.

O movimento também ocorreu no grupo intermediário de clientes da caderneta, aqueles com depósitos entre R$ 10 mil e R$ 30 mil, mas com menos força. De acordo com o censo do FGC, houve um decréscimo de apenas 300 mil poupadores nessa faixa ante o período anterior. Em termos de participação no total de recursos, as pessoas dentro dessa banda apresentaram um recuo de 5,5% para 5,2%.

A concentração ampliou-se em 2015. Conforme o FGC, 8,63% dos poupadores, ou seja, a faixa com depósitos acima de R$ 10 mil, representam 85,5% dos recursos totais. Em 2014, 9% dos clientes desse mesmo recorte detinham 84,8% dos recursos.

No topo da pirâmide, ocorreu o fenômeno inverso ao da base. Os poupadores com mais recursos, acima de R$ 30 mil, apresentaram crescimento em termos de participação no total de depósitos na caderneta, de 65,3% em 2014 para 66,3% no fim do primeiro semestre. Porém, a fatia percentual em relação ao número de clientes recuou de 3,55% em dezembro do ano passado para 3,43% em junho de 2015.

Se essa faixa superior for subdividida, observa-se um crescimento mais acelerado dos valores depositados em relação a uma certa estabilidade no número de clientes. O grupo de grandes poupadores com recursos acima de R$ 100 mil manteve-se praticamente o mesmo no período em pouco mais de 1 milhão. No entanto, a participação no total de depósitos cresceu um ponto percentual, para 36,5% em junho de 2015. O saldo aplicado por esse extrato de pessoas com depósitos acima de R$ 100 mil aumentou em R$ 1,2 bilhão, para R$ 234,43 bilhões.

A expansão de valores depositados, porém, ficou abaixo do rendimento da caderneta no período de 3,7% no ano até junho. Se for aplicada apenas a rentabilidade do período o montante deveria ter crescido R$ 8,6 bilhões, o que sugere ter ocorrido retirada de recursos também dentro desse grupo de grandes poupadores, porém em menor escala.

O grupo de clientes com depósitos acima de R$ 1 milhão cresceu 5,8%, de 12 mil para 12,7 mil. A participação no total de depósitos cresceu de 5,8% em 2014 para 6,2% na primeira metade deste ano com os valores saindo de R$ 38,5 bilhões para R$ 39,8 bilhões no período. O aumento dos recursos, no entanto, está em linha com a taxa de retorno do semestre para a caderneta. A ampliação do grupo de elite também sugere uma migração, mas nesse caso para cima de poupadores na faixa anterior ao milhão devido ao acréscimo da rentabilidade.

Na avaliação de Miguel de Oliveira, diretor-executivo de estudos e pesquisas econômicas Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), a pressão para retiradas na poupança vem hoje principalmente da corrosão da renda pela inflação e do aumento do desemprego que leva ao comprometimento do orçamento. "O movimento de migrar os recursos para aplicações mais rentáveis já aconteceu", afirma. Para o pesquisador, "agora tem a ver com queda na renda das famílias e muita gente sendo obrigado a retirar o dinheiro da caderneta para complementar o orçamento doméstico".

De fato, as saídas líquidas em 2015 têm sido muito acima de movimentos ocorridos em momentos de aperto monetário ocorridos no passado. Conforme dados do Banco Central e da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), entre 2004 e 2005, quando houve a subida de 2,5 pontos percentuais na média da meta Selic, a captação líquida da poupança ficou negativa em R$ 1,87 bilhão. Entre 2014 e junho 2015, a elevação média da meta anual da taxa básica também atingiu pouco mais de dois pontos percentuais. No entanto, as retiradas líquidas em 2015 somaram até junho R$ 30,9 bilhões.

Os juros altos, com a taxa básica Selic em 14,25% ao ano, e a expectativa de permanecerem elevados por longo período, se não têm impulsionado mais a migração de recursos já depositados, afetam o fluxo de novos aportes para a poupança, avalia Michel Viriato, coordenador do laboratório de fianças do Insper. "A gente continua vendo que na comparação a poupança parece pior que outros tipos de aplicação conservadoras", diz.

Cálculos da Anefac ilustram essa vantagem de outros produtos. Em setembro, os fundos de renda fixa apresentaram rentabilidade média de 1,11% contra 0,69% da poupança. Em 12 meses essa categoria de fundos teve retorno de 12,58% ante ganhos de 7,78% da tradicional caderneta. De acordo com Oliveira, no atual patamar de juros qualquer carteira de fundos DI com taxa de administração igual ou abaixo de 2% ao ano, mesmo com cobrança de IR, consegue superar a poupança em qualquer período.

Uma simulação feita pela Cetip mostra que outros produtos pós-fixados, com retorno atrelado ao certificado de depósito interfinanceiro (CDI), batem com folga o retorno da poupança em um ano. Um certificado de depósito bancário (CDB) com retorno de 95% do CDI, por exemplo, traria um ganho líquido, descontado o imposto de renda, de 11,04% em 12 meses. A caderneta, por sua vez, proporcionaria uma rentabilidade de 8,73%.

De acordo com Carlos Albuquerque, superintendente de produtos da Cetip, um CDB com retorno de 76% do CDI, nas condições da simulação (veja quadro), já conseguiria superar o retorno da poupança em um ano. "No caso do CDB, setembro marca o terceiro mês seguido neste ano que o estoque dessa aplicação vem apresentando elevação. É um indicador que pode mostrar um desvio de fluxo de recursos novos para outros investimentos", afirma o especialista.

$> A simulação da Cetip mostra vantagem ainda maior para as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) que contam com a isenção de IR, do mesmo modo que a poupança. Uma taxa de retorno de 80% do CDI seria suficiente tanto para bater a poupança quanto superar um CDB a 95% do CDI.

Na avaliação de Fabio Colombo, administrador de investimentos, neste ano a percepção de perda da poupança ainda vai ser amplificada pela inflação. Segundo o boletim Focus do BC, o mercado aguarda um IPCA de 9,53% ao fim de 2015, ou seja, superior ao rendimento da caderneta. "A poupança nunca foi uma aplicação para bater a inflação com folga. E neste ano será um pouco pior."

Para Viriato, do Insper, as perspectivas para a poupança em termos de captação líquida são incertas até pelo menos o fim do ano que vem. "A queda de juros não está sendo esperada, a curva de juros no mercado não precifica que no ano que vem vai ter queda. E provavelmente até meados de 2016 a gente deve ver um cenário de resgate", afirma.

Oliveira, da Anefac, também considera não haver perspectiva no curto prazo para a melhora da situação para a maioria dos poupadores. "Esse movimento que levou às quedas consecutivas dos depósitos vai estar presente nos próximos meses e agravado pela piora da recessão e aumento do desemprego", pondera.

Na visão do economista, porém, o fim do ano pode trazer alguma trégua para a retirada recorde de recursos da caderneta, sem representar, no entanto, mudança de rumo. "Pode ter um movimento no fim do ano [de aumento de aportes] com a chegada do 13º terceiro, mas é um quadro temporário", considera.



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