sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Um Setor Fértil para a Renda Fixa

Valor Investe - São Paulo/SP - CRÉDITO PRIVADO - 11/02/2011 - 07:48:00

 

Emissões devem crescer com demandas de infraestrutura e incentivos, mas opções para varejo ainda são restritas É um relacionamento antigo. O setor de infraestrutura pode até flertar com outras formas de capitalização, mas as principais operações acabam saindo via papéis de renda fixa. Desta vez, não se espera que seja tão diferente, apesar do desejo de investidores e banqueiros de ver mais empresas do setor na bolsa. Grande parte dos projetos necessários para suportar o crescimento econômico do Brasil e viabilizar grandes eventos - a Copa do Mundo em 2014 e a Olimpíada em 2016 deve ser financiada por meio de emissões de dívida corporativa. O pacote de incentivos tributários, lançado pelo governo federal em dezembro de 2010, deve impulsionar as captações de recursos no mercado de renda fixa doméstico e atrair novos investidores. Diante do gargalo logístico do país, serão necessários investimentos em portos, aeroportos, rodovias, ferrovias e energia, sem contar os projetos de exploração de petróleo na camada do pré-sal. As oportunidades de aplicação em papéis privados de renda fixa, no entanto, ainda são pequenas para o público de varejo. Para mudar esse quadro, dizem os especialistas, seria necessária uma taxa de juros mais baixa. Isso despertaria o apetite dos investidores por ativos mais arriscados, abrindo espaço para colocações de debêntures para pessoas físicas. Só no ano passado, as emissões de debêntures somaram R$ 49,3 bilhões, com aumento de 78,6% em relação a 2009, respondendo por 56% das operações de renda fixa. Para 2011, é esperado um incremento de 30% nas captações, prevê o diretor do Bradesco Banco de Investimento (BBI, João Carlos Zani. Neste ano, até o fim de janeiro, estavam em análise cinco ofertas de debêntures, sendo uma de concessionária de rodovia, que devem somar R$ 1,2 bilhão. "Os setores de transportes e logística pesada são os que mais têm demandado investimento", afirma Diogo Castro e Silva, diretor-executivo da Caixa Geral de Depósitos, que tem cerca de R$ 1 bilhão em emissões de dívida sendo estruturadas para financiar obras de infraestrutura. No BES Investimento do Brasil, há algumas operações para vir a mercado no primeiro semestre, dos setores de transportes, rodovias e energia, diz Alan Fernandes, diretor de project finance do banco. A Infra Asset Management, braço de gestão de recursos do Grupo GPI, que opera quatro empresas de saneamento, pretende captar via debêntures e Cédulas de Crédito Bancário (CCBs). "É um setor que demandará investimentos para universalizar os serviços de água e esgoto no Brasil", afirma Pedro Paulo B. de Leoni Ramos, sócio-diretor do grupo. Boa parte dos projetos de infraestrutura conta com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A instituição respondeu, em média, por 26,1% dos financiamentos para a indústria e projetos de infraestrutura, entre 2004 e 2009. As captações externas cobriram 10,7%, as debêntures, 8,1%, e as ações, 5,9%. O restante veio dos lucros retidos pelas empresas. "Com a recuperação dos mercados, a fatia do BNDES deve retornar ao padrão passado, e a participação de recursos próprios das empresas deve aumentar", diz Ernani Teixeira Torres Filho, superintendente da área de pesquisa e acompanhamento econômico do banco de fomento. Segundo ele, a demanda por investimentos em infraestrutura deve evoluir a uma taxa de 10% ao ano até 2014 (ver tabela na página 15). Só a segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) prevê aportes de R$ 606,2 bilhões nesses projetos no intervalo. "Os setores de ferrovia e portos devem apresentar maior crescimento." A área de transportes está entre as prioridades do PAC 2, que prevê investimentos de R$109 bilhões no setor. Existe também a intenção de abrir concessões para explorar novos aeroportos e terminais. No setor de portos, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) pretende lançar novas concessões de terminais de uso privado e com arrendamento vencido. Cerca de cem contratos devem vencer até 2013. Para 2011 estão programadas ainda diversas licitações de rodovias federais, que devem demandar recursos, como a extensão da BR 101, que corta o Espírito Santo, e trechos nos Estados de Santa Catarina e Minas Gerais. As empresas de transporte e energia tradicionalmente financiam seus projetos por meio de dívida no mercado local. "Neste ano, devemos ver operações de geração e transmissão de energia e ligadas a portos", afirma Alberto Kiraly, responsável pelo banco de investimento do Votorantim. Só os investimentos em geração, transmissão e eficiência energética previstos no PAC 2 devem somar R$141,4 bilhões, de 2011 a 2014. Para atrair investimentos com horizontes maiores, o governo concedeu isenção de Imposto de Renda (IR) para os rendimentos de debêntures vinculadas a projetos de infraestrutura apurados por pessoas físicas ou investidores não residentes no país. No caso de aplicadores domésticos, os benefícios também se estendem para aportes via fundos de investimento. As medidas de incentivo, no entanto, só terão efeito dentro de um a dois anos, avalia Torres Filho, do BNDES. "É preciso que a Selic (juro básico) caia pelo menos mais dois ou três pontos para incentivar a poupança de longo prazo." Em 2010, o prazo médio das debêntures estava em cinco anos. De acordo com Zani, do Bradesco, emissões como a da concessionária Rota das Bandeiras em julho do ano passado, com vencimento em 12 anos, devem ser vistas em 2011, principalmente do setor de rodovias. "O prazo mais alongado só foi possível porque houve compartilhamento de garantias com o BNDES, o que permitiu uma taxa razoável, de 9,57% ao ano mais a variação do IPCA." Um exemplo de que incentivos tributários contribuem para o mercado deslanchar é o dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). Esses papéis já eram isentos de IR para pessoas físicas residentes no Brasil, o que vale agora também para os investidores estrangeiros. A criação de novos fundos imobiliários voltados para esses ativos deve ampliar esse mercado. Hoje, a aplicação em CRIs é direcionada para investidores qualificados, com mais de R$ 300 mil em investimentos, enquanto o aporte mínimo em uma cota de fundo imobiliário de CRI varia de R$ 5 mil a R$ 10 mil. "A vantagem do fundo é que ele permite uma diversificação maior da carteira", afirma Marcelo Michaluá, sócio-diretor da RB Capital. Acredita-se ainda que a oferta de papéis aumentará com a explosão da demanda por financiamento imobiliário. "A previsão é que os recursos da poupança devem se esgotar em um prazo de dois a três anos, e os bancos serão obrigados a securitizar suas carteiras para levantar funding para novas operações", afirma Fernando Cruz, diretor da Brazilian Securities. A Caixa, por exemplo, deve emitir CRIs ainda neste primeiro trimestre. E a taxa oferecida nas colocações, que chegou a 12% mais a variação do IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado) em 2007, caiu hoje para até 7%, dependendo do prazo e do risco da operação. Mesmo assim, clientes individuais com maior poder aquisitivo, como os de "privare banking" e "family offices", têm alocado parte dos recursos nesses ativos. "Em 2009, 58% do volume que colocamos em distribuição pública foi para pessoas físicas. Em 2010, essa participação subiu para 60%", conta Michaluá, da RB. A instituição está em conversa com bancos para estruturar um fundo destinado ao público de alta renda. Já o crescimento das colocações de debêntures, no entanto, não foi acompanhado pelo aumento da participação de pessoas físicas, que voltou a cair em 2010. Foram 165 investidores, ante 12.784 no ano anterior - um período marcado pelo apetite menor dos investidores institucionais por conta da crise, o que gerou ofertas como as da Telemar Norte Leste (Oi) e da Bradespar, cujos preços iniciais de R$ 1 mil contemplaram o público de varejo. Kiraly, do Votorantim, lembra também que houve uma redução das taxas de retorno, tornando esses papéis menos atrativos. Outra questão é que grande parte das colocações conta com a chamada "garantia firme", que obriga os bancos coordenadores a ficar com parte dos ativos se não houver demanda. No ano passado, tais instituições absorveram 51% do que foi lançado, excluindo as operações dentro da Instrução 476 da CVM. Os especialistas comentam também que os fundos de investimento ainda têm pequena parcela de crédito privado em suas carteiras - cerca de 20,5% do patrimônio -, sendo a maior parte composta por Certificados de Depósito Bancário (CDBs). A participação do varejo e de estrangeiros pode ajudar a melhorar a liquidez no mercado secundário desses papéis, outra meta importante a ser perseguida, que está na lista de prioridades da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). "A aplicação em papéis de longo prazo exigirá uma mudança de cultura por parte das pessoas físicas, que estão acostumadas com liquidez e juro real de 6%", destaca Sergio Cutolo, vice-presidente da entidade. Para incentivar os negócios no mercado secundário, o BNDES vai lançar um programa de R$ 10 bilhões para adquirir debêntures corporativas em oferta primária, além de alugar os títulos em sua carteira. Também será criado um fundo de liquidez de cerca de R$ 2 bilhões, com recursos dos bancos, que funcionará como formador de mercado. Em outra frente, a BM&FBovespa anunciou um pacote com redução de tarifas para negociação de papéis de renda fixa e a Anbima está trabalhando na padronização das debêntures para facilitar a venda no mercado secundário. Assim, aos poucos, o crédito privado pode chegar ao alcance do investidor individual. 

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