quinta-feira, 2 de março de 2017

Decanos Avaliam a Maior Crise do Setor

Decanos avaliam a maior crise do setor

Valor Econômico | http://www.valor.com.br/empresas/4883604/decanos-avaliam-maior-crise-do-setor

Dez anos após a onda de abertura de capital das incorporadoras, o setor imobiliário se prepara para o novo ciclo de crescimento, esperado para 2018. Paralelamente, ainda tenta reverter a ressaca seguinte à euforia do período de 2007 a 2011, cujo principal sintoma são os distratos, que ganharam força a partir de 2015. O Valor ouviu, individualmente, quatro dos mais respeitados empresários do setor. Elie Horn (Cyrela), Ernesto Zarzur (EZTec), Henrique Borenstein (Helbor) e João Rossi (Rossi Residencial) misturam suas histórias pessoais com as das incorporadoras. Fundadores, são testemunhas dos bons e maus momentos do setor há várias décadas. Fora do comando executivo - hoje em mãos da segunda geração -, mas ainda no dia a dia e nos conselhos de administração, eles falaram sobre as perspectivas e os maiores erros da expansão desenfreada.

"A retomada será gradual e mais prudente. Ninguém quer repetir a crise", diz o fundador da Rossi, aos 80 anos de idade. No entendimento do veterano Zarzur - com 83 anos completados na terça-feira, dos quais já dedicou 65 ao setor -, o novo ciclo imobiliário terá início, no máximo, em um ano, desde que questões como distratos sejam equacionadas em 2017. Aos 82 anos, Borenstein é categórico: "em 2018, começa o novo ciclo". Para Horn, o caçula entre os entrevistados, com 72 anos, o equilíbrio ocorrerá, no segmento residencial, neste ano e no próximo. Ele espera expansão em 2018 caso haja regulamentação dos distratos.

Nem de longe, se projeta para o novo ciclo a repetição do crescimento desenfreado dos primeiros anos após a onda de listagem das incorporadoras em bolsa. A avaliação entre os decanos é que a retomada depende da melhora dos indicadores de emprego e renda, e da redução dos estoques de imóveis prontos e dos cancelamentos de vendas. A definição de regras para os distratos é considerada crucial para a recuperação pelos quatro empresários. Neste ano, os lançamentos tendem a ser próximos ou superiores aos de 2016, quando, juntas, as incorporadoras podem ter vivido a quarta queda consecutiva.

O setor imobiliário enfrenta sua maior crise, na opinião de Zarzur, Rossi e Borenstein. Para Horn, o pior aconteceu na década de 1980, mas a situação atual é a segunda mais difícil.

Zarzur afirma que, agravada pelos distratos, a crise atual provoca, além de prejuízo financeiro, "desânimo". "Não durmo à noite. Estou emagrecendo. Como forçado", diz, acrescentando que os distratos resultam em demissões, pois não há novas obras para recolocação dos empregados à medida que projetos são concluídos. Conhecido por mesclar negócios e família na EZTec, o empresário continua indo à incorporadora durante a semana. "No sábado e no domingo, sofro, porque não tenho onde ir. Antes, ia para os plantões de vendas. Eu era o rei do plantão", conta Zarzur.

O fundador da EZTec avalia que as rescisões de vendas serão regulamentadas neste ano, mas duvida se "da forma justa". O empresário defende que o comprador perca todo o valor pago em caso de distratos. "O cliente tem de perder tudo, como disse o Elie [Horn, em reportagem recente publicada no Valor ]. Amanhã, na hora de distratar, a pessoa pensará bem." A EZTec já concedeu R$ 350 milhões em financiamento direto para reduzir distratos.

Rossi, que também espera definição, neste ano, de regras para os cancelamentos de vendas, não acredita ser possível aprovar, no Brasil, que o cliente perca tudo em caso de rescisão. Ele defende que haja alguma penalidade, como a perda da maior parte do valor pago pelo consumidor para que não haja "incentivo à especulação". "Hoje, o consumidor assina uma opção de compra com a incorporadora. A aquisição mesmo ocorre quando o cliente contrata o financiamento com o banco", afirma. A incorporadora tem, em média, 70% de rescisões nos projetos.

Situação atual provoca, além de prejuízo financeiro, "desânimo". "Não durmo à noite", diz Ernesto Zarzur, da EZTec

Borenstein conta que a combinação das crises política e financeira faz com que a segunda seja a maior pela qual já passou. "O mercado vai voltar. Não tenho dúvida nenhuma, mas o governo precisa ajudar [o setor] com financiamento ao comprador e segurança jurídica para os contratos", afirma. As regras para os distratos têm de ser, segundo o empresário, "um meio termo" entre o pleito das incorporadoras e dos consumidores. Para ele, as rescisões cresceram devido à migração de investidores do setor imobiliário para o financeiro quando os juros aumentaram.

Na opinião de Horn, as regras dos distratos precisam mudar "para o setor voltar a ser o que era e fazer o que sabe".

Na avaliação do fundador da Cyrela, o momento mais difícil que o setor enfrentou foi quando "os recebíveis foram congelados e os pagamentos liberados", em 1986. Naquele ano, os reajustes das prestações e do saldo devedor deixaram de ser feitos pelo mesmo índice. Com o descasamento, ao terminar de pagar as parcelas, o consumidor devia boa parte do valor do imóvel, o que resultou no encolhimento do crédito imobiliário até o fim dos anos 90.

Horn afirma que a economia vive início de retomada e que ele está otimista. "Se a taxa de juros chegar a 10%, melhoram renda, emprego e varejo. A situação em casa melhora também", afirma. Neste ano, a Cyrela terá projetos em todas as faixas de renda, desde o Minha Casa, Minha Vida até um prédio de altíssimo padrão, em São Paulo. A empresa estima lançamentos próximos aos de 2016. "Vamos lançar onde somos líderes", diz Horn.

O otimismo é compartilhado por Rossi, que espera a retomada do mercado imobiliário juntamente com a da economia. "O setor vai ressurgir muito mais forte", diz. Em reestruturação financeira desde agosto de 2015, e há dois anos sem novos empreendimentos, a Rossi está entregando obras e, segundo o fundador, pode fazer algum lançamento até o fim do ano. "Vamos nos reformar com mais segurança. Já nos reformamos diversas vezes", diz Rossi.

Já Borenstein afirma que vai demorar até que o setor retorne ao que era há cinco anos. Para 2017, sua expectativa é que os lançamentos superem os do ano passado e que os níveis de estoque e distratos sejam normalizados. "Se o mercado estiver bom, podemos lançar muito mais neste ano", afirma, citando que a Helbor possui projetos de médio e alto padrão prontos para quando a demanda voltar a crescer. O empresário diz ser muito "caipira" para atuar no Minha Casa, Minha Vida. "Só fazemos o que sabemos."

Zarzur acredita que os lançamentos da EZTec e do setor vão crescer neste ano. Os novos empreendimentos da companhia serão direcionados, principalmente, para a média-alta renda. A EZTec vai lançar também produtos enquadrados no Minha Casa, Minha Vida, como alternativa de diversificação. O empresário destaca que, daqui para frente, os volumes do setor serão muito menores do que os do período de euforia. "Não vai haver tanta agressividade", diz.

 

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