quinta-feira, 3 de março de 2016

Na Onda do CRA

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Na onda do CRA

No mundo das siglas que compõem o portfólio, uma em especial cresceu e apareceu nos últimos meses. O estoque investido em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) mais do que triplicou entre janeiro e dezembro de 2015, chegando a R$ 6,4 bilhões, segundo dados da Cetip. Ainda que esteja longe do volume da parente mais conhecida, a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), com quase R$ 200 bilhões, o papel chama a atenção pelo crescimento acelerado, inclusive no varejo. O retorno pode ser interessante, dizem os alocadores. O perigo é somente a carona no sucesso da prima mais famosa, que tem características muito diferentes, especialmente quanto ao risco.

Os investidores órfãos das LCAs e das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), que se tornaram mais escassas para pequenos aportes, encontraram amparo nos CRAs. Distribuidores de varejo, como XP e Guide, começaram a oferecer o papel. "2015 foi o ano dos CRAs", afirma Bruno Carvalho, gerente de renda fixa da Guide, que não coloca o produto na prateleira, mas oferece diretamente aos clientes da plataforma, com aplicação mínima a partir de R$ 1 mil. "Em um cenário de incerteza, o investidor foge da renda variável e vai para o crédito", conta.

Grande parte das emissões tem saído com retorno próximo a 100% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), referencial para aplicações conservadoras, sendo que o ganho é isento de imposto de renda.

Carvalho alerta, entretanto, que o CRA está na árvore genealógica mais próximo de uma debênture do que de uma LCA. O certificado não tem proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que, no caso da LCA, resguarda até R$ 250 mil por investidor se houver quebra da instituição financeira. E, diferentemente das letras, não é emitido por um banco.

Como um instrumento de captação de recursos para financiar o agronegócio, o CRA tem como lastro recebíveis originados de negócios entre produtores rurais, inclusive financiamentos ou empréstimos relacionados à produção ou venda de produtos do setor. Somente companhias denominadas securitizadoras podem emitir os certificados, a partir da aquisição dos créditos e colocação no mercado financeiro. Vale destacar que os recebíveis ficam vinculados ao certificado, para o pagamento de juros e amortização do principal.

Uma forma de compensar a falta de proteção do FGC, defende Carvalho, é investir apenas em CRAs com nota máxima pelas agências de classificação de risco. Marcelo Urbano, responsável pela área de crédito da gestora de patrimônio GPS, é ainda mais cauteloso. "Rating é uma foto do passado. Quando muda, o problema já aconteceu", diz, lembrando que a Petrobras, afogada na investigação da Lava-Jato, há poucos anos tinha nota máxima de crédito. Hoje, alguns investidores ainda têm papéis da estatal sem qualquer prêmio sobre o título público.

Além de usar o rating apenas como informação adicional, a recomendação de Urbano é não se deixar levar somente pelo nome por trás da emissão. É bom saber se quem recomendou o papel fez uma análise profunda da companhia para a qual o investidor vai, na prática, fazer um empréstimo. "Quem são os acionistas? Qual é a necessidade de liquidez da empresa nos próximos anos? Qual é a perspectiva de geração de caixa? Se a operação tem garantias, como elas estão construídas? O que pode dar errado?", lista o executivo da GPS, acostumado a selecionar papéis para clientes de alto patrimônio. E cita outro caso de risco de crédito para guardar na memória - os bônus externos emitidos pela Samarco, tidos como de qualidade óbvia, chegaram a ser negociados por metade do valor de face após o desastre ambiental em Mariana (MG).

Urbano recomenda ainda que, depois de feito o investimento, o risco de crédito seja reavaliado anualmente ou até trimestralmente nos casos de operações menos óbvias. Uma dica é selecionar papéis de companhias de capital aberto, que divulgam balanços e têm áreas de relações com os investidores.

Embora não tenha a blindagem do FGC, as emissões costumam embutir alguns mecanismos de segurança para minimizar o risco de crédito. É o caso, por exemplo, da oferta pública de cerca de R$ 100 milhões com lastro em recebíveis de produtores e distribuidores clientes da Bayer, que acaba de ser fechada.

Além dos títulos distribuídos ao investidor, a operação contou com outras duas tranches que funcionam como um colchão de proteção para o caso de inadimplência, já que são as primeiras a absorverem eventuais prejuízos: uma parcela de 5% (CRA Subordinado), que ficou com os próprios distribuidores e produtores clientes da Bayer, e outra de 10% (CRA Mezanino), detida pela Bayer. As séries ainda contam com a proteção de um seguro de crédito firmado com a AIG, que cobre 85% do valor total, entre principal mais juros.

"É uma oportunidade de diversificação em um papel sem dúvida mais complexo do que uma LCA, mas com bom risco de crédito e um retorno bruto significativo", diz Marcos de Callis, estrategista do private banking do Votorantim. A emissão, com vencimento em junho de 2018, saiu com uma remuneração de 102% do CDI ao ano, no piso do intervalo estimado, que ia até 109%.

Em andamento, há ainda uma oferta de cerca de R$ 500 milhões com lastro em recebíveis da Duratex, originados da transação de compra de madeira fornecida por outra empresa do grupo, a Duratex Florestal. A emissão tem vencimento em 2022 e pode pagar até 102,5% do CDI, a depender do apetite do investidor.

Tanto no caso da Bayer quanto da Duratex, apesar do tíquete mínimo de R$ 1 mil, a oferta foi direcionada ao investidor qualificado, com mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras. Mas não se trata de uma regra do mercado, afirma Carvalho, da Guide.

O crescimento do CRA, ainda que de uma base pequena, reflete dois movimentos, segundo Ricardo Magalhães, gerente-executivo de relações e projetos da Cetip. Por um lado, as empresas precisam captar em um cenário no qual bancos públicos retraem a oferta de crédito. Por outro, o investidor está em busca de papéis que agreguem rentabilidade na renda fixa, já que a bolsa tem afastado participante pela percepção de risco.

Magalhães também alerta para o fato de o CRA ter como base uma operação de securitização de crédito. "Ela exige um investidor com muito mais conhecimento do que o do dia a dia de LCA e LCI", diz. E chama a atenção para o fato de o mercado secundário ser pequeno e ainda estar em desenvolvimento.

Em 2015, o prazo médio das emissões foi de 2,5 anos, segundo a Cetip, mas há papéis com vencimento em cinco anos. Há uma tentativa de minimizar o problema da falta de liquidez com a contratação de formadores de mercado pelo emissor.

A XP, por exemplo, tem atuado como formadora, caso das emissões de JSL e Raízen, essa última no fim de 2014, que foi, para Rubens Machado, da equipe de renda fixa da casa, um marco na história dos certificados. "O mercado tinha um preconceito com a emissão de CRAs, porque não acreditava que teria liquidez no secundário. Provamos que ela pode ser alcançada por meio da pulverização", diz, em referência à distribuição para um grande número de investidores.

A função de formador de mercado envolve colocar preços de compra e venda para os papéis, mas, segundo Machado, há também um trabalho de informar os investidores sobre as empresas e emissões, por meio de eventos. Pelo lado da distribuição, a XP procura ter sempre ao menos dois CRAs na prateleira virtual, com aplicação mínima perto de R$ 1 mil. "Esse mercado tomou corpo a partir do segundo semestre do ano passado", diz.

É mais por esse risco de liquidez do que pelo de crédito que Felipe Merencio, responsável por renda fixa no private banking da Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG), diz ter evitado algumas operações. "O secundário ainda não é tão ativo, então preciso exigir um pouco mais de taxa para entrar." Mesmo depois de uma peneira para deixar somente empresas de primeira linha, os clientes da CSHG nunca tiveram tantos CRAs no portfólio.

Para ajudar na seleção, Merencio divide os CRAs em dois grupos. Há as emissões de volume pequeno, envolvendo o risco do produtor rural ou um risco de crédito pulverizado. E há um segundo grupo, ao qual o especialista em renda fixa da CSHG dá preferência, mais focado no risco corporativo. São empresas de capital aberto que usam o certificado para captar recursos baratos com benefício fiscal. "Nesse caso, o risco de crédito propriamente dito é o da empresa de capital aberto, que é mais fácil de monitorar ao longo do tempo da operação", afirma. Segundo ele, os clientes também entendem melhor esse tipo de estrutura. (Colaborou Alessandra Bellotto)

 

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