sexta-feira, 1 de junho de 2012

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Economia

Concorrência

Nova lei exigirá mais esforços do Cade do que das empresas

Segundo ex-presidentes, para cumprir as cláusulas da nova legislação, órgão terá de ganhar mais rapidez, produtividade, melhorar política de confidencialidade e contratar mais servidores

Ana Clara Costa

Negócio sendo fechado em banco

Cade ganha mais poder e deverá ser ágil para julgar operações de fusão no prazo (Comstock Images/Getty Images)

O país era um dos poucos do mundo (ao lado de Egito e Paquistão) a julgar os negócios depois de eles terem sido firmados

Após mais de sete anos circulando no Senado até a aprovação da presidente Dilma Rousseff, no final de 2011, a Lei 12.529/2011 que reformula a estrutura do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) entrou em vigor no último dia 30. A partir de agora, o órgão responsável pela aprovação das principais operações de fusões e aquisições do Brasil ganhou mais poder, deverá tomar suas decisões em menos tempo (o prazo máximo será de 330 dias) e deverá aprovar as negociações entre empresas antes de elas serem, de fato, concretizadas.

Por incrível que pareça, o país era um dos poucos do mundo (ao lado de Egito e Paquistão) a julgar os negócios depois de eles terem sido firmados, criando um ambiente de insegurança jurídica para empresas e investidores. Durante a extenuante decisão sobre a fusão entre Sadia e Perdigão, em 2011, as ações da Brasil Foods, empresa fruto do negócio, perderam mais de 15% na Bolsa de Valores. "É uma mudança no sentido de convergência para a prática antitruste no mundo. Até a Colômbia passou na frente do Brasil e aprovou uma lei semelhante antes", afirma a economista Elizabeth Farina, ex-presidente do Cade.

É um consenso entre economistas, juristas e empresários que o órgão precisava de uma grande reciclagem. Com cerca de 30 técnicos, seis conselheiros, um procurador e um presidente, o Cade era responsável pela aprovação das maiores operações entre empresas em um período aquecido no mercado de fusões e aquisições. Apenas entre 2010 e 2011, a compra de empresas movimentou nada menos que 320 bilhões de reais, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

O problema é que, antes de chegarem ao órgão, os processos passavam pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda e pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, onde podiam ficar parados por, no mínimo, três meses. Agora, a SEAE será responsável apenas pela divulgação das regras da boa prática concorrencial, enquanto a SDE foi "anexada" pelo Cade e funcionará como uma secretaria submetida ao tribunal da concorrência. O objetivo é diminuir a burocracia e reduzir o tempo em que os processos são julgados.

Mais agilidade - Contudo, para cumprir as novas regras – mais adequadas ao dinamismo do setor privado do que à pasmaceira burocrática do setor público – o Cade precisará mudar. "Essa nova realidade vai exigir uma mudança cultural. A noção de tempo econômico vai ter de ser colocada em prática. Será preciso ser muito ágil, executivo e prático, além de tomar mais precauções em relação à confidencialidade dos dados que serão submetidos pelas empresas antes das negociações serem fechadas", diz o economista Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados, e que foi presidente do órgão entre 1996 e 2000.

Oliveira também atenta para a necessidade de manter a confidencialidade dos dados submetidos ao órgão pelas empresas. "Será necessário um padrão de conduta muito elevado. Pois, se informações relacionadas a operações envolvendo empresas de capital aberto vazarem, poderá haver oscilações importantes no mercado acionário", afirma.

Segundo a advogada Fabíola Cammarota de Abreu, do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesh Advogados, mecanismos contratuais poderão evitar esse tipo de problema. Isso significa que, antes de submeterem as negociações ao Cade, as empresas poderão firmar contratos condicionados à aprovação do órgão, informando imediatamente ao mercado sobre suas intenções. "As empresas vão continuar negociando entre si como é hoje em dia. Apenas incluirão no contrato uma cláusula condicionando o fechamento do negócio à aprovação prévia do Cade", afirma a advogada.

Para as empresas, a mudança de sistema não será assustadora. Apesar de muitas terem acelerado a conclusão de suas operações antes da entrada em vigor da nova lei do Cade, a realidade é que todas sairão ganhando, sobretudo as multinacionais. "O empresariado é sempre muito ansioso quando há mudanças. Agora, o Brasil vai funcionar de forma semelhante ao resto do mundo. As multinacionais já estão acostumadas com isso. Para elas, essa mudança implica, inclusive, em uma redução de custo, já que o trabalho será o mesmo que já é feito fora do país", afirma Elizabeth Farina. O cumprimento dos prazos será, segundo a economista, a única coisa que mudará na relação das empresas com o órgão. "Elas também precisarão de agilidade para trabalhar dentro de novos prazos", diz.

Em busca de dinamismo, o órgão criou filtros para delimitar quais operações precisarão de um parecer e quais poderão ser aprovadas automaticamente. Segundo a legislação anterior, o órgão era responsável pela análise de todas as transações comerciais que envolvessem empresas com faturamento no Brasil superior a 200 milhões de reais ou que tivessem participação de mercado superior a 20%. Com a nova lei, serão analisadas pelo colegiado operações que cumprirem dois critérios: tenham entre seus componentes uma empresa com faturamento bruto anual no Brasil acima de 750 milhões de reais e outra com pelo menos 75 milhões de reais. Segundo a própria legislação, o Cade poderá mudar as regras referentes ao faturamento se julgar necessário.

A partir desses novos critérios, a autoridade antitruste ficará mais livre para emitir pareceres sobre casos mais complexos e deixará de lado operações pouco relevantes no que se refere à concorrência. A nova legislação também exige que 200 novos técnicos sejam incorporados ao órgão ao longo dos próximos anos para que ele consiga desempenhar sua função dentro dos prazos.

Mais poder, mais política - Na avaliação de Fernando Furlan, que presidiu o Cade até meados de 2012 e atualmente é Pesquisador Visitante da Universidade de Macau, na China, o órgão não só ganhará mais responsabilidade, como também se tornará mais poderoso. "Com o sistema de análise prévia, o Cade ganha mais poder perante a comunidade empresarial, pois agora ninguém poderá fechar qualquer operação e iniciar os ajustes pós-negócios, como a unificação de linhas de produção, corte de pessoal e de cargos, sem antes ter o aval do Cade", afirma.

Mais poder, neste caso, se traduz em maior visibilidade política para um órgão conhecido por ser essencialmente técnico. Segundo Furlan, o Cade não está imune a atrair pessoas com pouca capacidade de convivência democrática. "Isso já aconteceu antes e pode voltar a acontecer. Mas, enquanto colegiado, o Cade tem condições de minimizar esse tipo de problema. Pois, quando as decisões são tomadas em conjunto, diminui o risco de comportamentos arbitrários", afirma.

Para Gesner Oliveira, da GO Associados, o risco de politização de uma autarquia é natural no momento em que seu poder aumenta. "É um órgão que chama muita atenção. Mas o Cade possui a vantagem de ter uma tradição técnica e votos extremamente fundamentados. Não vou dizer que não tenha havido interferência política, mas arriscaria afirmar que não há outro órgão no âmbito do Executivo que tenha decisões tão técnicas como o Cade", afirma.

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