quinta-feira, 10 de março de 2016

Incentivo aos Incentivados

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Incentivo aos incentivados

Os fundos de investimento em debêntures de infraestrutura, apesar da atratividade óbvia dos papéis, com isenção de imposto de renda às pessoas físicas e tributação menor para as jurídicas, pareciam daquelas ideias fadadas ao abandono. Isso até segunda-feira. No início da semana, o governo anunciou uma flexibilização das regras para emissão dos ativos que fez a categoria vislumbrar uma chance de, finalmente, decolar - há apenas seis carteiras do gênero e a maioria está fechada devido à oferta limitada de papéis.

Com as mudanças, as concessões, outorgas e projetos de parceria público-privada (PPP) já se qualificam como prioritárias e ficam habilitadas a emitir os papéis, também chamados de debêntures incentivadas devido ao benefício tributário, o que desburocratiza e, consequentemente, encurta o processo para emissão.

O cenário macroeconômico, entretanto, com a elevação dos prêmios pagos pelos títulos privados, desestimula novas emissões e pode frear esse entusiasmo. Marcelo Michaluá, sócio da RB Capital, explica que o rebaixamento das notas soberanas e de companhias pelas agências de classificação de risco trouxe uma reprecificação dos 'spreads'. "Você passa a ter um cenário no qual o soberano está mais arriscado, o que tem uma correlação direta com o crédito do setor privado, e o mercado começa a requerer prêmios de risco maiores", diz.

O gestor acrescenta que o corte do rating das companhias pode ainda tornar as cláusulas de 'covenant' (proteções previstas nos contratos com limites que, se forem desrespeitados, podem acionar o pagamento antecipado da dívida) mais restritivas. "Uma empresa que conseguia tomar dívida 'clean' há três anos, hoje já não consegue mais e tem de recorrer a operações estruturadas que precisam de garantias adicionais, como imóveis", pondera.

O interesse pelas debêntures incentivadas cresceu no ano passado, com a escassez de ofertas de Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), levando gestores a lançar fundos para atender essa procura. No entanto, as emissões das debêntures com isenção de IR não acompanharam o crescimento da demanda na mesma proporção devido ao processo burocrático e lento, que exigia a aprovação do ministério de cada setor específico.

Os principais aplicadores têm sido as pessoas físicas, que ficaram com poucas opções para investir em letras de crédito - títulos cujo apelo também é a isenção do IR. "São os órfãos das LCIs e LCAs que investiram nos fundos de debêntures de infraestrutura", conta Leonardo Breder, gestor da Brasil Plural, instituição que lançou um fundo do tipo em agosto do ano passado.

A oferta de LCIs e LCAs, títulos emitidos pelos bancos, foi mais tímida em 2015. Como a economia entrou em marcha lenta, as operações de crédito imobiliário e agrícola reduziram-se, e os bancos tiveram menos necessidade de captar recursos. Portanto, emitiram menos letras. Além disso, a remuneração dos papéis caiu. Se no início de 2015 as letras de grandes bancos rendiam 98% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) para clientes de alto patrimônio, no fim do ano os mesmos investidores não conseguiam rentabilidades maiores que 91% do índice de referência. E, por mudanças na regulamentação, os prazos mínimos para resgate aumentaram de 60 para 90 dias, no caso de LCIs, e de zero para 90 dias nas LCAs.

Também contribuiu para o aumento do interesse pelas debêntures incentivadas a migração da renda variável para a fixa. Como o Índice Bovespa vem amargando quedas desde 2013 e os juros subiram ao longo de 2015, a renda fixa tornou-se mais atraente. E, dentro da renda fixa, as aplicações isentas de IR ficaram mais chamativas. "As pessoas físicas estão ávidas por títulos de renda fixa isentos do imposto", afirma Fábio Zenaro, superintendente de produtos da Cetip.

Paralelamente ao aumento da demanda, houve queda nas ofertas de debêntures de infraestrutura, com a piora do cenário macroeconômico. As emissões no ano passado foram 16% inferiores às de 2014, totalizando R$ 5 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Breder diz que a aceitação do fundo Brasil Plural Debêntures Incentivadas foi muito boa entre os investidores - com aplicação mínima de R$ 100, o patrimônio já alcança R$ 82 milhões. Mas, como a oferta de debêntures de infraestrutura é pequena, a saída foi fechar a carteira para não correr o risco de ficar desenquadrada. Para contar com a isenção do IR, os fundos de debêntures de infraestrutura têm até seis meses para aplicar pelo menos 67% do patrimônio nesses títulos. Dois anos a contar da data de criação, o percentual sobe para 85%. Se esses percentuais não forem atingidos, o benefício fiscal é perdido e o investidor passa a ter de pagar imposto.

Outra gestora que recentemente lançou um fundo do tipo foi a Fator Administração de Recursos (FAR). Aberto à captação em novembro de 2015, o Fator Debêntures Incentivadas está com patrimônio de R$ 53 milhões, captado de investidores de private banking, com recursos acima de R$ 1 milhão. Antonio Conceição, responsável pelos investimentos da FAR, diz que a grande dificuldade tem sido encontrar lastro. No ano passado, o fundo só entrou em emissões primárias. Mas em 2016 já fez algumas compras pontuais de títulos no mercado secundário, relata o gestor. "Com a deterioração da economia, não faz sentido tomar crédito por tomar", acrescenta.

A situação é sentida também pela Bradesco Asset Management (Bram), pioneira no produto. Seu fundo, batizado de Bradesco Crédito Privado Infraestrutura Incentivada, foi lançado em setembro de 2013. Com patrimônio de R$ 77 milhões, a carteira está fechada atualmente e tem duração média de 15 anos. "Teríamos demanda para criar um novo fundo do tipo, mas é difícil montar novos produtos porque faltam operações no mercado", afirma Patrícia Pimenta, gestora responsável pelos fundos de crédito privado da Bram.

Ela ressalta que, além do número restrito de ofertas, grande parte dos emissores que vieram ao mercado primário em 2015 eram maduros, com risco reduzido, ou seja, pagavam spreads considerados baixos ou até negativos. Esse foi o caso da Comgás, que lançou uma oferta de debêntures de infraestrutura em dezembro. Uma das três séries da operação saiu pagando 0,3% abaixo do prêmio oferecido pela NTN-B com vencimento em 2020. Na ocasião, a remuneração foi de Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 7,14%.

Pode parecer uma remuneração alta, mas não é considerada atraente por muitos gestores. "Como a debênture tem risco de crédito, ela deveria ter um spread em relação ao título público", argumenta Fausto Silva Filho, gestor de renda fixa da XP Gestão de Recursos. O que explica a ausência de ganho adicional é justamente a isenção do IR: o investidor leva em conta que não irá pagar o imposto e se dispõe a receber menos. Neste ano, contudo, os spreads voltaram a subir. (Colaborou Sérgio Tauhata)

 

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