terça-feira, 22 de março de 2016

Fundo Imobiliário Volta a Ganhar em Fevereiro

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Fundo imobiliário volta a ganhar em fevereiro

A queda das taxas de juros no mercado e a retirada do horizonte, pelo menos no curto prazo, do risco de tributação dos dividendos aguçaram o apetite do investidor por fundos imobiliários em fevereiro. No mês passado, o retorno médio de 69 carteiras imobiliárias com negociação no mês, ponderado pelo valor de mercado, foi de 2,32%, mostra levantamento da Quantum. O resultado, que considera a variação das cotas em bolsa e a distribuição de proventos, representa uma mudança de rota em relação aos dois meses anteriores, marcados por prejuízos de 2,46% em dezembro e 4% em janeiro.

Por ser um mercado formado basicamente por pessoas físicas, seu desempenho está muito atrelado à competitividade dos dividendos distribuídos mensalmente, isentos de imposto de renda, em relação aos juros, destaca André Leite, sócio da gestora de patrimônio Tag Investimentos. "É muito raro ver uma análise mais apurada do investidor sobre a qualidade do ativo imobiliário", afirma.

Assim, a recuperação dos fundos em fevereiro está apoiada basicamente no ganho de atratividade dos dividendos, segundo Leite, a partir da queda das taxas de juros de mercado, como as pagas por títulos públicos prefixados e atrelados à inflação. O cenário começou a mudar com o entendimento no fim de janeiro de que o BC não ia mais aumentar a taxa Selic e podia até começar a cortá-la, em função da deterioração da atividade, e com o aumento recente da probabilidade de mudança de governo.

De fato, quando se olha apenas o retorno com dividendos, os fundos imobiliários superam os juros. Levantamento da Quantum mostra que, em fevereiro, o "dividend yield" foi de 1,09%, acima do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), referencial para aplicações conservadoras, com variação de 1,05%. Em dois meses, a diferença aumenta, com 2,21% de retorno com dividendos para os fundos imobiliários e 2,07% para o CDI.

Além do alto patamar de juro, com a Selic em 14,25%, Larissa Nappo, analista da Citi Corretora, lembra que os fundos sofreram muito em dezembro e janeiro com a proposta de tributação dos dividendos, entre outras medidas, sugerida no projeto para conversão em lei da MP 694. Também no fim de 2015, segundo Larissa, algumas carteiras anunciaram revisões para baixo de valores de aluguel e até mesmo rescisões de contrato, o que pressionou a expectativa de rendimentos e as cotas em bolsa.

Foi o caso do BTG Pactual Corporate Office Fund (BC Fund), um dos maiores do mercado e detentor integral das cotas do Prime Portfólio, que, juntamente com o Torre Almirante, recebeu notificação da Petrobras solicitando a rescisão do contrato de locação, segundo fato relevante de 29 de dezembro.

"A perspectiva de tributação e anúncios de rescisões de contratos de aluguel fizeram com que as cotas caíssem bastante em dezembro e janeiro, o que tornou o yield [relação percentual entre o dividendo e o valor da cota em bolsa] bastante atrativo", diz. No início de fevereiro, a retirada do trecho que alterava a tributação dos dividendos do projeto de conversão em lei da MP 694, abriu espaço, segundo Larissa, para a retomada do apetite pelos fundos imobiliários.

O bom desempenho continua em março, segundo Larissa. O Ifix, índice de fundos imobiliários da BM&FBovespa, sobe cerca de 5,7% no mês, revertendo as perdas no ano para um ganho de 2,14%.

Marcio Verri, diretor-presidente da Kinea Investimentos, diz que o desconto em relação ao valor patrimonial com que os fundos vêm sendo negociados, por conta do ciclo de aperto monetário e da retração econômica com forte impacto sobre o mercado imobiliário, começa a atrair compradores. "Grandes investidores, principalmente de private banking, iniciaram um movimento de compra para se beneficiar da perspectiva de queda de juros com reversão nas expectativas de inflação."

A própria Kinea viu o forte apetite do investidor, ao ter de ampliar a oferta pública de cotas da 4ª emissão do Kinea Rendimentos, fundo que compra basicamente Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e Letras de Crédito Imobiliário (LCI), para atender a demanda. A captação, cuja oferta inicial era de R$ 300 milhões, fechou em R$ 380 milhões, elevando o patrimônio do fundo para R$ 1,45 bilhão.

Ainda não é possível dizer que essa será a toada daqui para frente. "O momento ainda é muito delicado para o segmento, que depende da redução dos juros e da melhora do mercado imobiliário para engatar", diz Larissa. Verri, da Kinea, lembra que há desafios como uma economia que ainda demora a se recuperar e um mercado imobiliário com vacância ascendente.

Para Leite, da Tag, apesar da queda do juro no mercado, o cenário político ainda está longe de ser resolvido. Mesmo que haja mudança de governo, o que vem depois - quem vai para a Fazenda, para o BC - é uma incógnita, diz. Além disso, considera, o setor imobiliário deve levar de três a quatro anos para se recuperar. "Há outras opções com uma relação risco/retorno muito mais favorável. Prefiro ficar só em taxa de juros, como na NTN-B."

 

Contribuinte Poderá Quitar Dívidas com a Transferência de Imóveis

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Contribuinte poderá quitar dívidas com a transferência de imóveis

A presidente Dilma Rousseff sancionou emenda em uma medida provisória (MP) para permitir que valores inscritos na dívida ativa da União, Estados e municípios possam ser quitados com a transferência de imóveis para o Poder Público, procedimento conhecido como dação em pagamento.

O instrumento já era previsto no Código Tributário Nacional, de 1966, e em lei complementar de 2001. No entanto, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) indicavam que o mecanismo não poderia ser adotado por falta de regulamentação. Para os ministros, apesar de o CTN ter autorizado a modalidade de extinção do crédito tributário, não a impôs.

A regulamentação ocorreu na quinta-feira, com a sanção de emenda à MP 692/2015 - proposta que tinha por finalidade elevar o Imposto de Renda sobre ganho de capital em decorrência da alienação de bens. "Nos termos desta nova lei, trata-se de um direito do contribuinte", afirma o advogado Fábio Calcini, do Brasil Salomão & Matthes Advocacia.

Para o advogado, o mecanismo é interessante porque a venda de bem para quitação posterior de dívida pode não ser possível em momento de crise no mercado imobiliário. Ele afirma ainda que bens penhorados são, muitas vezes, arrematados em leilão por valores inferiores, o que pode prejudicar o contribuinte.

Já a advogada Ana Cláudia Utumi, do TozziniFreire Advogados, pondera que, em alguns casos, a avaliação judicial pode indicar valor inferior ao do mercado. "Dependendo do imóvel, vale a pena a própria empresa tentar vender para pagar o Fisco", diz. Apesar disso, a tributarista considera a regulamentação positiva, especialmente em um momento em que há empresas com problemas de liquidez.

Relator da medida provisória, o senador Acir Gurgacz (PDT-RO) diz que a inclusão do texto foi solicitada pelas associações comerciais para ajudar empresas com dificuldades financeiras, mas que possuem bens e querem regularizar sua situação. "Se essas empresas estiverem inadimplentes não vão conseguir financiamento ou ter acesso a crédito", afirma.

Segundo ele, o governo entendeu que seria muito difícil recuperar o dinheiro por outras vias. "O que está se imaginando é que essas empresas já não conseguiriam mais fazer os pagamentos por falta de caixa. Era um dinheiro que já estava perdido se não déssemos essa alternativa", diz. Não foi feita estimativa de arrecadação, acrescenta o senador, mas "há muitas interessadas". A dívida ativa da União é estimada em R$ 1,5 trilhão.

Para o deputado Alfredo Kaefer (PSL-PR), a lei ajudará em tempos de crise. Ele é autor de emenda sobre o mesmo tema, mas que, a exemplo de projeto de 2009 do próprio governo, permitia que bens registrados em nomes de "laranjas" também fossem usados para eliminar as dívidas. "Muita empresa não tem condição de esperar a venda do imóvel para quitar suas dívidas. E para o governo é melhor receber um bem do que ficar sem nada", afirma.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), porém, tem ressalvas ao texto aprovado. Os dois pontos que mais preocupam seriam a falta de exigência de manifestação de interesse do credor em receber o bem e não haver previsão sobre eventual divisão de valores em caso de o bem ser usado para pagar uma autuação de contribuinte no Simples Nacional, por exemplo - que incluiria tributos federais, estaduais e municipais.

De acordo com Utumi, alguns Estados já fazem adjudicação, permitindo a transferência de bens para o pagamento de dívidas, mas somente daqueles bens que interessam ao ente público no momento. A Prefeitura de São Paulo também já regulamentou a norma em 2001.

A partir da nova lei, é possível quitar débitos na dívida ativa com todos os entes públicos por meio desse procedimento.

De acordo com fontes, a PGFN estaria estudando a possibilidade de acrescentar algumas restrições ao texto aprovado. Seriam incluídas por meio de outro projeto de lei ou medida provisória.

 

quinta-feira, 10 de março de 2016

Incentivo aos Incentivados

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Incentivo aos incentivados

Os fundos de investimento em debêntures de infraestrutura, apesar da atratividade óbvia dos papéis, com isenção de imposto de renda às pessoas físicas e tributação menor para as jurídicas, pareciam daquelas ideias fadadas ao abandono. Isso até segunda-feira. No início da semana, o governo anunciou uma flexibilização das regras para emissão dos ativos que fez a categoria vislumbrar uma chance de, finalmente, decolar - há apenas seis carteiras do gênero e a maioria está fechada devido à oferta limitada de papéis.

Com as mudanças, as concessões, outorgas e projetos de parceria público-privada (PPP) já se qualificam como prioritárias e ficam habilitadas a emitir os papéis, também chamados de debêntures incentivadas devido ao benefício tributário, o que desburocratiza e, consequentemente, encurta o processo para emissão.

O cenário macroeconômico, entretanto, com a elevação dos prêmios pagos pelos títulos privados, desestimula novas emissões e pode frear esse entusiasmo. Marcelo Michaluá, sócio da RB Capital, explica que o rebaixamento das notas soberanas e de companhias pelas agências de classificação de risco trouxe uma reprecificação dos 'spreads'. "Você passa a ter um cenário no qual o soberano está mais arriscado, o que tem uma correlação direta com o crédito do setor privado, e o mercado começa a requerer prêmios de risco maiores", diz.

O gestor acrescenta que o corte do rating das companhias pode ainda tornar as cláusulas de 'covenant' (proteções previstas nos contratos com limites que, se forem desrespeitados, podem acionar o pagamento antecipado da dívida) mais restritivas. "Uma empresa que conseguia tomar dívida 'clean' há três anos, hoje já não consegue mais e tem de recorrer a operações estruturadas que precisam de garantias adicionais, como imóveis", pondera.

O interesse pelas debêntures incentivadas cresceu no ano passado, com a escassez de ofertas de Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), levando gestores a lançar fundos para atender essa procura. No entanto, as emissões das debêntures com isenção de IR não acompanharam o crescimento da demanda na mesma proporção devido ao processo burocrático e lento, que exigia a aprovação do ministério de cada setor específico.

Os principais aplicadores têm sido as pessoas físicas, que ficaram com poucas opções para investir em letras de crédito - títulos cujo apelo também é a isenção do IR. "São os órfãos das LCIs e LCAs que investiram nos fundos de debêntures de infraestrutura", conta Leonardo Breder, gestor da Brasil Plural, instituição que lançou um fundo do tipo em agosto do ano passado.

A oferta de LCIs e LCAs, títulos emitidos pelos bancos, foi mais tímida em 2015. Como a economia entrou em marcha lenta, as operações de crédito imobiliário e agrícola reduziram-se, e os bancos tiveram menos necessidade de captar recursos. Portanto, emitiram menos letras. Além disso, a remuneração dos papéis caiu. Se no início de 2015 as letras de grandes bancos rendiam 98% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI) para clientes de alto patrimônio, no fim do ano os mesmos investidores não conseguiam rentabilidades maiores que 91% do índice de referência. E, por mudanças na regulamentação, os prazos mínimos para resgate aumentaram de 60 para 90 dias, no caso de LCIs, e de zero para 90 dias nas LCAs.

Também contribuiu para o aumento do interesse pelas debêntures incentivadas a migração da renda variável para a fixa. Como o Índice Bovespa vem amargando quedas desde 2013 e os juros subiram ao longo de 2015, a renda fixa tornou-se mais atraente. E, dentro da renda fixa, as aplicações isentas de IR ficaram mais chamativas. "As pessoas físicas estão ávidas por títulos de renda fixa isentos do imposto", afirma Fábio Zenaro, superintendente de produtos da Cetip.

Paralelamente ao aumento da demanda, houve queda nas ofertas de debêntures de infraestrutura, com a piora do cenário macroeconômico. As emissões no ano passado foram 16% inferiores às de 2014, totalizando R$ 5 bilhões, de acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Breder diz que a aceitação do fundo Brasil Plural Debêntures Incentivadas foi muito boa entre os investidores - com aplicação mínima de R$ 100, o patrimônio já alcança R$ 82 milhões. Mas, como a oferta de debêntures de infraestrutura é pequena, a saída foi fechar a carteira para não correr o risco de ficar desenquadrada. Para contar com a isenção do IR, os fundos de debêntures de infraestrutura têm até seis meses para aplicar pelo menos 67% do patrimônio nesses títulos. Dois anos a contar da data de criação, o percentual sobe para 85%. Se esses percentuais não forem atingidos, o benefício fiscal é perdido e o investidor passa a ter de pagar imposto.

Outra gestora que recentemente lançou um fundo do tipo foi a Fator Administração de Recursos (FAR). Aberto à captação em novembro de 2015, o Fator Debêntures Incentivadas está com patrimônio de R$ 53 milhões, captado de investidores de private banking, com recursos acima de R$ 1 milhão. Antonio Conceição, responsável pelos investimentos da FAR, diz que a grande dificuldade tem sido encontrar lastro. No ano passado, o fundo só entrou em emissões primárias. Mas em 2016 já fez algumas compras pontuais de títulos no mercado secundário, relata o gestor. "Com a deterioração da economia, não faz sentido tomar crédito por tomar", acrescenta.

A situação é sentida também pela Bradesco Asset Management (Bram), pioneira no produto. Seu fundo, batizado de Bradesco Crédito Privado Infraestrutura Incentivada, foi lançado em setembro de 2013. Com patrimônio de R$ 77 milhões, a carteira está fechada atualmente e tem duração média de 15 anos. "Teríamos demanda para criar um novo fundo do tipo, mas é difícil montar novos produtos porque faltam operações no mercado", afirma Patrícia Pimenta, gestora responsável pelos fundos de crédito privado da Bram.

Ela ressalta que, além do número restrito de ofertas, grande parte dos emissores que vieram ao mercado primário em 2015 eram maduros, com risco reduzido, ou seja, pagavam spreads considerados baixos ou até negativos. Esse foi o caso da Comgás, que lançou uma oferta de debêntures de infraestrutura em dezembro. Uma das três séries da operação saiu pagando 0,3% abaixo do prêmio oferecido pela NTN-B com vencimento em 2020. Na ocasião, a remuneração foi de Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 7,14%.

Pode parecer uma remuneração alta, mas não é considerada atraente por muitos gestores. "Como a debênture tem risco de crédito, ela deveria ter um spread em relação ao título público", argumenta Fausto Silva Filho, gestor de renda fixa da XP Gestão de Recursos. O que explica a ausência de ganho adicional é justamente a isenção do IR: o investidor leva em conta que não irá pagar o imposto e se dispõe a receber menos. Neste ano, contudo, os spreads voltaram a subir. (Colaborou Sérgio Tauhata)

 

quinta-feira, 3 de março de 2016

Na Onda do CRA

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Na onda do CRA

No mundo das siglas que compõem o portfólio, uma em especial cresceu e apareceu nos últimos meses. O estoque investido em Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) mais do que triplicou entre janeiro e dezembro de 2015, chegando a R$ 6,4 bilhões, segundo dados da Cetip. Ainda que esteja longe do volume da parente mais conhecida, a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), com quase R$ 200 bilhões, o papel chama a atenção pelo crescimento acelerado, inclusive no varejo. O retorno pode ser interessante, dizem os alocadores. O perigo é somente a carona no sucesso da prima mais famosa, que tem características muito diferentes, especialmente quanto ao risco.

Os investidores órfãos das LCAs e das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), que se tornaram mais escassas para pequenos aportes, encontraram amparo nos CRAs. Distribuidores de varejo, como XP e Guide, começaram a oferecer o papel. "2015 foi o ano dos CRAs", afirma Bruno Carvalho, gerente de renda fixa da Guide, que não coloca o produto na prateleira, mas oferece diretamente aos clientes da plataforma, com aplicação mínima a partir de R$ 1 mil. "Em um cenário de incerteza, o investidor foge da renda variável e vai para o crédito", conta.

Grande parte das emissões tem saído com retorno próximo a 100% do Certificado de Depósito Interfinanceiro (CDI), referencial para aplicações conservadoras, sendo que o ganho é isento de imposto de renda.

Carvalho alerta, entretanto, que o CRA está na árvore genealógica mais próximo de uma debênture do que de uma LCA. O certificado não tem proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que, no caso da LCA, resguarda até R$ 250 mil por investidor se houver quebra da instituição financeira. E, diferentemente das letras, não é emitido por um banco.

Como um instrumento de captação de recursos para financiar o agronegócio, o CRA tem como lastro recebíveis originados de negócios entre produtores rurais, inclusive financiamentos ou empréstimos relacionados à produção ou venda de produtos do setor. Somente companhias denominadas securitizadoras podem emitir os certificados, a partir da aquisição dos créditos e colocação no mercado financeiro. Vale destacar que os recebíveis ficam vinculados ao certificado, para o pagamento de juros e amortização do principal.

Uma forma de compensar a falta de proteção do FGC, defende Carvalho, é investir apenas em CRAs com nota máxima pelas agências de classificação de risco. Marcelo Urbano, responsável pela área de crédito da gestora de patrimônio GPS, é ainda mais cauteloso. "Rating é uma foto do passado. Quando muda, o problema já aconteceu", diz, lembrando que a Petrobras, afogada na investigação da Lava-Jato, há poucos anos tinha nota máxima de crédito. Hoje, alguns investidores ainda têm papéis da estatal sem qualquer prêmio sobre o título público.

Além de usar o rating apenas como informação adicional, a recomendação de Urbano é não se deixar levar somente pelo nome por trás da emissão. É bom saber se quem recomendou o papel fez uma análise profunda da companhia para a qual o investidor vai, na prática, fazer um empréstimo. "Quem são os acionistas? Qual é a necessidade de liquidez da empresa nos próximos anos? Qual é a perspectiva de geração de caixa? Se a operação tem garantias, como elas estão construídas? O que pode dar errado?", lista o executivo da GPS, acostumado a selecionar papéis para clientes de alto patrimônio. E cita outro caso de risco de crédito para guardar na memória - os bônus externos emitidos pela Samarco, tidos como de qualidade óbvia, chegaram a ser negociados por metade do valor de face após o desastre ambiental em Mariana (MG).

Urbano recomenda ainda que, depois de feito o investimento, o risco de crédito seja reavaliado anualmente ou até trimestralmente nos casos de operações menos óbvias. Uma dica é selecionar papéis de companhias de capital aberto, que divulgam balanços e têm áreas de relações com os investidores.

Embora não tenha a blindagem do FGC, as emissões costumam embutir alguns mecanismos de segurança para minimizar o risco de crédito. É o caso, por exemplo, da oferta pública de cerca de R$ 100 milhões com lastro em recebíveis de produtores e distribuidores clientes da Bayer, que acaba de ser fechada.

Além dos títulos distribuídos ao investidor, a operação contou com outras duas tranches que funcionam como um colchão de proteção para o caso de inadimplência, já que são as primeiras a absorverem eventuais prejuízos: uma parcela de 5% (CRA Subordinado), que ficou com os próprios distribuidores e produtores clientes da Bayer, e outra de 10% (CRA Mezanino), detida pela Bayer. As séries ainda contam com a proteção de um seguro de crédito firmado com a AIG, que cobre 85% do valor total, entre principal mais juros.

"É uma oportunidade de diversificação em um papel sem dúvida mais complexo do que uma LCA, mas com bom risco de crédito e um retorno bruto significativo", diz Marcos de Callis, estrategista do private banking do Votorantim. A emissão, com vencimento em junho de 2018, saiu com uma remuneração de 102% do CDI ao ano, no piso do intervalo estimado, que ia até 109%.

Em andamento, há ainda uma oferta de cerca de R$ 500 milhões com lastro em recebíveis da Duratex, originados da transação de compra de madeira fornecida por outra empresa do grupo, a Duratex Florestal. A emissão tem vencimento em 2022 e pode pagar até 102,5% do CDI, a depender do apetite do investidor.

Tanto no caso da Bayer quanto da Duratex, apesar do tíquete mínimo de R$ 1 mil, a oferta foi direcionada ao investidor qualificado, com mais de R$ 1 milhão em aplicações financeiras. Mas não se trata de uma regra do mercado, afirma Carvalho, da Guide.

O crescimento do CRA, ainda que de uma base pequena, reflete dois movimentos, segundo Ricardo Magalhães, gerente-executivo de relações e projetos da Cetip. Por um lado, as empresas precisam captar em um cenário no qual bancos públicos retraem a oferta de crédito. Por outro, o investidor está em busca de papéis que agreguem rentabilidade na renda fixa, já que a bolsa tem afastado participante pela percepção de risco.

Magalhães também alerta para o fato de o CRA ter como base uma operação de securitização de crédito. "Ela exige um investidor com muito mais conhecimento do que o do dia a dia de LCA e LCI", diz. E chama a atenção para o fato de o mercado secundário ser pequeno e ainda estar em desenvolvimento.

Em 2015, o prazo médio das emissões foi de 2,5 anos, segundo a Cetip, mas há papéis com vencimento em cinco anos. Há uma tentativa de minimizar o problema da falta de liquidez com a contratação de formadores de mercado pelo emissor.

A XP, por exemplo, tem atuado como formadora, caso das emissões de JSL e Raízen, essa última no fim de 2014, que foi, para Rubens Machado, da equipe de renda fixa da casa, um marco na história dos certificados. "O mercado tinha um preconceito com a emissão de CRAs, porque não acreditava que teria liquidez no secundário. Provamos que ela pode ser alcançada por meio da pulverização", diz, em referência à distribuição para um grande número de investidores.

A função de formador de mercado envolve colocar preços de compra e venda para os papéis, mas, segundo Machado, há também um trabalho de informar os investidores sobre as empresas e emissões, por meio de eventos. Pelo lado da distribuição, a XP procura ter sempre ao menos dois CRAs na prateleira virtual, com aplicação mínima perto de R$ 1 mil. "Esse mercado tomou corpo a partir do segundo semestre do ano passado", diz.

É mais por esse risco de liquidez do que pelo de crédito que Felipe Merencio, responsável por renda fixa no private banking da Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG), diz ter evitado algumas operações. "O secundário ainda não é tão ativo, então preciso exigir um pouco mais de taxa para entrar." Mesmo depois de uma peneira para deixar somente empresas de primeira linha, os clientes da CSHG nunca tiveram tantos CRAs no portfólio.

Para ajudar na seleção, Merencio divide os CRAs em dois grupos. Há as emissões de volume pequeno, envolvendo o risco do produtor rural ou um risco de crédito pulverizado. E há um segundo grupo, ao qual o especialista em renda fixa da CSHG dá preferência, mais focado no risco corporativo. São empresas de capital aberto que usam o certificado para captar recursos baratos com benefício fiscal. "Nesse caso, o risco de crédito propriamente dito é o da empresa de capital aberto, que é mais fácil de monitorar ao longo do tempo da operação", afirma. Segundo ele, os clientes também entendem melhor esse tipo de estrutura. (Colaborou Alessandra Bellotto)